No último final de semana, as montanhas do Parque Nacional da Serra do Cipó (MG) foram o cenário da 4ª travessia comemorativa do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). O percurso de 40 km é um atrativo ainda recente e pouco explorado no vasto cardápio de opções de visitação da unidade de conservação mineira. Ainda assim, o número de caminhantes no atrativo, e do resto do parque, só aumenta.
Na gestão do parque há três anos, o biólogo Flávio Cerezzo confirma com números o aumento da visitação na Serra do Cipó. Em dois anos, o número de visitantes saltou de 16 para 60 mil. A expectativa agora é alcançar a meta de 75 mil visitas ao final de 2017. O gestor comemora o crescimento, que reflete a verdadeira missão da unidade: “possibilitar a visitação é uma obrigação nossa como parque”, resume. “Parte do objetivo é fazer com que essas unidades abertas ao público sejam a vitrine do sistema, a interface com o cidadão que irá mostrar a importância da conservação no país e convidá-lo a ser um defensor desse patrimônio que também é dele”, reforça o gestor.
Leia a entrevista que o WikiParques fez com Flávio:
Neste final de semana o Parque Nacional da Serra do Cipó recebeu a quarta travessia comemorativa do ICMBio. Como é a visitação nesse atrativo?
Flávio Cerezzo: A Travessia Alto Palácio x Serra dos Alves foi inaugurada oficialmente em outubro de 2015 e tem tido uma procura crescente, principalmente em feriados prolongados. Em 2016 nós recebemos 1.031 pessoas na travessia e, até agora, em 2017, já foram 818. Nós recomendamos a companhia de um guia, porém não é obrigatório. Na semana passada nós inauguramos o novo sistema de agendamento da travessia, via ecobooking, e qualquer um pode fazer a reserva. Nós temos uma limitação de visitantes por dia por abrigo de 30 pessoas porque as áreas de acampamentos são limitadas e nossa estrutura de apoio é pequena. Existem hoje dois abrigos em funcionamento: Casa de Tábuas e Currais. A trilha vai de Alto Palácio, no Morro Pilar, até o povoado de Serra dos Alves, no município de Itabira, em um total de 40 quilômetros, com duração padrão de três dias e dois pernoites nos abrigos. Nossa perspectiva é ampliar esse percurso para aproximadamente 70 quilômetros, com diferentes opções de composição de trajeto, envolvendo outros municípios com os quais estamos trabalhando para abertura de novos portais, como Cabeça de Boi, São José da Serra, Nova União e Altamira. Com isso, nós interligaríamos novos trajetos para trilha de travessia, que poderia até mesmo se tornar um trajeto circular de cerca de 85 quilômetros.
A travessia é um atrativo que demanda grande logística de manejo e sinalização. Como é feito esse trabalho?
Nós trabalhamos muito com a mão-de-obra voluntária das pessoas que estão inscritas no nosso Programa Oficial de Voluntariado. A inscrição é feita por área de interesse e de atuação e nós temos muitos voluntários inscritos exatamente nas atividades de manejo e sinalização da trilha de travessia. Tanto na definição do trajeto, quanto na sinalização que vem sendo implementada. E também contamos com o trabalho da brigada na manutenção das trilhas, porque essas são as mesmas vias de acesso utilizadas pelos brigadistas para ações de prevenção e combate de incêndios florestais no interior do parque.
Como funcionará a parceria com o ecobooking para agendar a visitação na travessia?
A visitação na travessia sempre foi feita com agendamento prévio, mas antes fazíamos isso por e-mail. Agora passaremos a realizar todo o trabalho de reserva e controle de vagas através desse sistema de agendamento eletrônico: o ecobooking. Existe uma página já em funcionamento na internet onde a pessoa acessa diretamente as informações para agendar sua travessia. O fator limitador é o abrigo, cujo limite é de 30 pessoas cada. No ato da reserva é preciso assinar o termo de reconhecimento de risco e responsabilidade, com isso em mãos, o sistema emite um voucher e repassa ao visitante o arquivo do percurso para GPS e as informações do atrativo. O próprio sistema envia ao parque as informações do visitante e a avaliação deles sobre a travessia.
Como tem sido a evolução da visitação no parque?
A visitação no parque cresceu exponencialmente nos últimos anos. De 2014 para 2015 pulamos de 16 para 23 mil visitantes. Em 2016, chegamos a 60 mil visitantes. E somente em janeiro deste ano, nós recebemos 11 mil de turistas, o dobro de janeiro do ano passado. Nossa meta para o ano é bater na casa dos 75 mil visitantes.
Nós possuímos dois circuitos de visitação diária, um em cada uma das duas portarias oficialmente abertas no parque: Retiro e Areias, onde está a sede administrativa da UC. Esses dois conjuntos de atrativos são acessados por trilhas, com distâncias que vão até 12 quilômetros. Todas as trilhas estão sinalizadas e bem demarcadas, não há necessidade de contratar um guia. O principal fator de dificuldade são mesmo as distâncias e o grau de inclinação dos percursos para chegar aos atrativos.
Atualmente o parque não cobra ingresso, mas estão sendo feitos estudos de viabilidade econômica para possíveis concessões de serviços e pode ser que no futuro a gente ofereça algum serviço pago. Porém nosso objetivo é cobrar pelos serviços, como estacionamento, camping e lanchonete, e não pela entrada no parque em si.
Apesar do aumento exponencial da visitação, recentemente o parque perdeu o contrato dos controladores de acesso. De que forma isso impactou o atendimento aos visitantes?
Nós possuíamos dois postos de controladores de acesso, um em cada portaria. A função deles era receber o visitante, orientá-lo, prestar informações com relação à segurança, às condições de acesso das trilhas e aos respectivos graus de dificuldade, além de informar sobre os cuidados a serem tomados e as regras do parque. No final do ano passado esses contratos tiveram seu período encerrado no ICMBio e, apesar da previsão de renová-los, o Instituto não fez isso em função da falta de recursos. Ou seja, nós perdemos esses postos e fomos obrigados a substituí-los por servidores do corpo de funcionários do parque, que possuem outras funções. Isso prejudica a recepção e orientação do visitante, principalmente em períodos de grande movimento. Santana do Riacho contratou um controlador com verba do município e cedeu ao parque até o final de julho. Ele fica de quarta a domingo na Portaria do Retiro, que é em Santana. Na Portaria Areias estamos integralmente sem esse posto e o número reduzido de servidores não permite que façamos a recepção constante dos visitantes. Atendemos sob demanda ou nos plantões de fim de semana e feriados. Mas também não temos servidores suficientes para a escala de plantões em todos os finais de semana. Isso representa um retrocesso porque ao mesmo tempo em que a visitação está crescendo – e nós investimos nela como uma prioridade – a perda dos controladores de acessos implica em perda de qualidade na recepção do visitante.
Qual o tamanho atual da equipe do parque?
Nós somos quatro servidores, contando comigo. Somos três analistas ambientais e um técnico ambiental. Nós trabalhamos em regime de integração com a Área de Proteção Ambiental do Morro da Pedreira (MG), que é outra unidade de conservação federal que envolve o parque e funciona, entre outras coisas, como nossa zona de amortecimento. Na APA são seis servidores no total, todos analistas. Há também os contratos de prestação de serviços e durante seis meses do ano nós contamos com uma equipe de 36 brigadistas, porque sistematicamente temos problemas com incêndios florestais.
De que forma os visitantes ajudam na fiscalização diante de uma área tão grande com uma equipe tão reduzida?
A área total do parque é muito grande. São 33 mil hectares e mais 100 mil se contarmos a APA, em um território que envolve oito municípios. Uma parcela do nosso público, que demonstra ter uma consciência ambiental, nos repassa informações sistematicamente. Tanto os que fazem a visitação diária quanto a travessia. Por exemplo, quando há presença de lixo nas trilhas ou nas cachoeiras, alguns inclusive já recolhem; quando localizam focos de início de incêndio; quando comunicam acidentes com visitação nas trilhas, para que possamos orientar e tomar as medidas necessárias; quando percebem algum tipo de depredação envolvendo fauna ou flora, como tentativas de pesca ilegal ou coleta de plantas e flores nativas; quando encontram algum acampamento ilegal, em área não permitida. Nós recebemos muitas informações e também recebemos o apoio daqueles que se engajam no programa de voluntariado do parque.
De forma ampla, qual a importância do uso público para conservação?
O Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) conta hoje com 324 unidades federais no país inteiro. Isso tem um custo que é financiado com recursos públicos. Se a sociedade brasileira desconhece o que se conserva nesse país e ignora qual a finalidade e o retorno que a sociedade ganha do investimento que se faz na conservação, quem vai defender isso? Existem uma série de questões referentes à conservação do meio ambiente que demandam uma maior sensibilização da população, para que ela defenda a conservação como uma causa. A existência das UCs depende da manutenção delas enquanto tal.
Há movimentos que defendem que unidades de conservação são supérfluas, um desperdício de terras que poderiam utilizadas para fins mais produtivos, como agricultura, pecuária, mineração ou a própria urbanização. Portanto nós precisamos que existam também setores da nossa sociedade que defendam a conservação como algo importante. Nós só vamos conseguir isso quando a população souber o que se conserva, para que se conserva, qual sua utilidade e importância e que retorno a sociedade tem disso. Nós só conseguimos isso através de sensibilização, informação e conhecimento. Esse é o papel das unidades que recebem visitação, em especial os parques, que têm gravado no artigo que os cria que sua finalidade é preservar e permitir a visitação. Possibilitar a visitação é uma obrigação nossa. Parte do objetivo é fazer com que essas unidades abertas ao público sejam a vitrine do sistema, a interface com o cidadão que irá mostrar a importância da conservação no país, para que ele defenda também unidades com restrição à visitação, como as Reservas Biológicas. E convidá-lo a ser um defensor desse patrimônio que é dele e é do povo brasileiro. Se nós queremos que esse cidadão seja um aliado da conservação, nós precisamos fazer esse serviço, que nada mais é do que educação ambiental, algo previsto nas nossas responsabilidades.
Como o parque encara o problema dos incêndios florestais?
O fogo é um elemento natural do Cerrado, o principal bioma que compõe a unidade. Mas o fogo por causas naturais é esporádico e de baixa intensidade, porque acontece no início ou no final dos períodos de chuva, quando o fogo não dura muito. O uso do fogo para renovação de pastagens e culturas é uma tradição antiga, que existe desde que a humanidade chegou lá, há cerca de 10 mil anos. Mas existem estudos que indicam que esse uso tradicional do fogo tinha efeitos parecidos com o causado pela natureza, porque também era feito no início ou final do período chuvoso, com baixa intensidade e maior controle.
Quando as instituições públicas começaram a trabalhar com a conservação na região, trouxeram a novidade do fogo como mal em si, e proibiram o seu uso. Porém as comunidades dependiam desse recurso para renovar as pastagens e passaram a utilizar o fogo de maneira incorreta, no auge da seca. Porque no período chuvoso você precisa tomar conta do fogo e está sujeito a ser pego pelo fiscal. Para driblar a fiscalização, as pessoas começaram a queimar no auge da seca, porque basta pôr o fogo que ele se alastra sozinho. Só que aí vira um incêndio florestal descontrolado que provoca grandes danos. Quase todo ano nós temos incêndios de grandes proporções e isso começou a comprometer a fauna e flora nativa, porque não dá tempo de rebrotar, mesmo para espécies dependentes do fogo. Ou seja, as políticas públicas acabaram sendo um tiro no pé. Estamos agora em fase de remodelagem. Voltamos a discutir autorização para queima, desde que feita de forma controlada, com a técnica e no período certo, como era feito antigamente. Nesse sentido, houve um resgate desse saber. Recentemente o estado de Minas Gerais promulgou a autorização da queima controlada. Nós temos ministrado, junto às comunidades, cursos de queima controlada e de formação de brigadistas voluntários entre os moradores do entorno.
Nós passamos a agir cada vez mais de forma preventiva. Uma dessas ações é o Manejo Integrado do Fogo, que é utilizar o fogo para controlar o fogo. Esse já é o terceiro ano em que trabalhamos com essa técnica. Nó escolhemos as áreas críticas onde há muito acúmulo de combustível, a vegetação morta e seca, que pode facilitar a ocorrência de um incêndio de grandes proporções; e também pontos estratégicos de passagem de uma zona para outra. E fazemos a queima dessas áreas na época certa, de maneira controlada, com apoio da brigada, para que a gente elimine essas conexões de possíveis grandes incêndios e também elimine o combustível na época ainda úmida, para que na seca não haja combustível suficiente.