Com a palavra: Cristino Pereira, gestor do Parque Nacional de Sete Cidades


Cristino Pereira, gestor do Parque Nacional de Sete Cidades. Foto: Duda Menegassi
Cristino Pereira, gestor do Parque Nacional de Sete Cidades. Foto: Jose Edilson

O Parque Nacional de Sete Cidades (PI), criado em 1961, foi um dos primeiros do Brasil. Localizado em pleno sertão nordestino, a Unidade de Conservação (UC) é um território de mais de 6 mil hectares onde a Caatinga e o Cerrado se encontram. A transição entre biomas produz paisagens que misturam a vegetação de savana com formações rochosas esculpidas pela erosão. Entre um paredão e outro também está outro patrimônio, o arqueológico, já que o parque faz parte de uma área de grande relevância para arqueologia nacional.

Diferente do seu vizinho mais famoso, o Parque Nacional Serra da Capivara (PI), a unidade ainda não conseguiu aprofundar seus estudos na área. Isto porque seu Plano de Manejo foi desenvolvido em 1979, sem previsão para a possibilidade de escavações no parque.

O professor Cristino Silva, gestor da unidade, diz que isto pode mudar. Ele explica que “uma das expectativas com a revisão do plano é incluir a permissão jurídica para escavações arqueológicas”. Segundo ele, é necessário ter muito jogo de cintura para administrar o parque sob a vigência de um documento com 38 anos de vida. Na entrevista, Cristino também conta a importância de ter a comunidade local como aliada na conservação: “eu chamo os moradores do entorno de fiscais voluntários do Parque Nacional de Sete Cidades”.

Leia a entrevista que o WikiParques fez com Cristino Silva:

WikiParques: Essa é a segunda vez que você assume a gestão do parque. Qual a sua história com a unidade?

Cristino Silva: Eu sou da região, da cidade de Piripiri, que fica a 23 quilômetros do parque. Minha história com o parque é de décadas. Começou em 1979, quando eu passei no concurso para vir trabalhar aqui pela primeira vez, como funcionário. Eu sou professor, então sempre trabalhei com educação ambiental, principalmente nas comunidades do entorno. Essa é a minha segunda passagem na gestão do parque. Fui gestor em 2004, quando o órgão responsável ainda era o IBAMA [Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis] e voltei agora, sob a tutela do ICMBio [Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade].

Como é realizado o trabalho de educação ambiental?

O trabalho de educação ambiental no parque é antigo. Em 80, nós fizemos a nossa primeira ação de conscientização ambiental. Desde então, damos sequência a este trabalho de forma diária. Isso começa com os visitantes que, quando chegam ao Parque Nacional de Sete Cidades, são direcionados ao centro de visitantes onde recebem as informações sobre a unidade. E segue com a interpretação ambiental que é feita pelos nossos condutores. Além disso, nosso trabalho de educação ambiental nas comunidades também é constante. Todas as ações são programadas pelo conselho, que possui representatividade das populações vizinhas ao parque, e possuímos um calendário de atividades a serem desenvolvidas ao longo do ano para dar continuidade a este trabalho de educação.

Foto: Leandro do Nascimento/WikiParques
Foto: Leandro do Nascimento/WikiParques

E como é a relação do parque com as comunidades do entorno?

Nós temos três cidades que são vizinhas diretas do parque: Piracuruca e Brasileira, cujos territórios integram em parte a unidade; e Piripiri, que apesar de geograficamente fora do parque, faz parte do contexto urbano que cerca a unidade de conservação. A nossa relação com essas comunidade é boa porque nós buscamos a proximidade e o diálogo. O gestor de uma unidade de conservação, qualquer que seja a sua categoria, precisa ter a habilidade de se aproximar das comunidades do entorno, se não é difícil fazer a gestão. E aqui nós conseguimos criar essa aproximação. Eu chamo os moradores do entorno de fiscais voluntários do Parque Nacional de Sete Cidades. E falo isso baseado em exemplos reais, porque mais de uma vez os moradores atuaram como verdadeiros fiscais denunciando infratores, como caçadores. Eles ligam diretamente para nossa sede para fazer a denúncia e o nosso grupo de fiscais do ICMBio vai verificar. Ter esse nível de diálogo é excelente e essa relação se tornou ainda mais próxima com a criação do nosso Conselho Consultivo, em 2010. A nossa configuração atual possui sete cadeiras estatais e sete cadeiras da sociedade civil, e esses são representantes escolhidos pela própria comunidade.

Outro fator que favorece a boa relação com nossos vizinhos, é que o parque representa uma oportunidade de renda. Os nossos condutores são todos locais e a nossa brigada de combate à incêndios, que é contratada anualmente durante a época seca, também é majoritariamente composta de pessoas que vivem no entorno. Esse ano, por exemplo, está prevista a contratação de 12 brigadistas. É o parque gerando emprego e renda para região.

Como é a visitação no parque?

A visitação no Parque Nacional de Sete Cidades acontece de forma diária, entre 8h00 e 17h00.

Existem duas entradas na unidade, portão norte e sul. Quando um visitante chega em qualquer um dos portões, ele é recebido pelo vigilante e orientado para se dirigir ao centro de visitantes. Lá os visitantes recebem as instruções sobre como deve ser o passeio, quais as normas e restrições que devem ser obedecidas. Nós possuímos uma associação de condutores locais responsável por guiar os visitantes no parque. É paga uma taxa por esse serviço de condução.

Nosso circuito turístico possui 12 quilômetros de trilhas onde estão dispostos os atrativos da unidade, que são as cachoeiras, piscinas naturais e os afloramentos rochosos. Não existe cobrança de entrada no parque, em si, desde 2009, mas nós estamos aguardando um processo legislatório em andamento na coordenação de uso público do ICMBio, em Brasília, para retomar essa cobrança.

Com relação ao número de visitantes, nós havíamos alcançado um patamar médio de 30 mil visitantes por ano, mas em 2016 registramos apenas cerca de 18 mil visitas. Essa queda pode ser associada tanto à fatores de ordem natural, como a forte seca que houve no estado, quanto à própria questão econômica do país. Este ano está chovendo bastante aqui na região do parque, o que favorece os nossos atrativos como as cachoeiras e as piscinas naturais. Com isso, nós acreditamos que o fluxo de visitantes irá aumentar.

Dentro do parque havia um hotel, o que aconteceu com ele?

Infelizmente, hoje só restou a estrutura física do hotel que uma vez funcionou dentro da unidade. O hotel servia de apoio ao visitante, mas foi fechado em 2009, por término de contrato, uma vez que era um serviço terceirizado. Até hoje nós recebemos ligações de pessoas querendo informações sobre o hotel –, ou seja, existe interesse do público em ter essa infraestrutura. Nós estamos na expectativa da abertura de uma licitação que possibilite a volta desse serviço, porque é muito positivo para visitação contar com um hotel dentro da própria unidadeUC. Será necessário uma reforma para reabri-lo ao público, mas estamos em busca de formas e parceiros para restabelecer esse ponto de hospedagem. Além disso, nós possuímos uma lanchonete e uma loja de souvenires que funcionam graças ao empenho dos condutores locais.

O Parque Nacional de Sete Cidades integra uma região de alto valor arqueológico. Qual a importância dos sítios arqueológicos e da pesquisa no parque?

Nós possuímos sítios arqueológicos de grande relevância que fazem parte do afloramento rochoso, porém nós ainda não conseguimos realizar os estudos necessários para definir a origem das pinturas. Existem apenas teorias. Esse aprofundamento das pesquisas não pôde ser realizado ainda porque o nosso Plano de Manejo vigente é de 1979, e não permite fazer abertura de escavações mesmo que com fins científicos e arqueológicos. Nossa situação, portanto, é diferente do Parque Nacional Serra da Capivara, que também fica aqui no Piauí e que é mundialmente reconhecido pelo seu patrimônio arqueológico, onde houve esse estudo que permitiu confirmar a datação e origem das inscrições. Os sítios de Sete Cidades ainda não foram estudados. Nós estimulamos a pesquisa, é claro, recebemos alunos de faculdade e pesquisadores para conhecer os sítios, porém o Plano de Manejo nos impede de permitir escavações para maiores descobertas. Para dar um exemplo, os arqueólogos fizeram um princípio de escavação na Pedra do Americano, que é um paredão com grande número de inscrições, e cobriram com lona para proteger o sítio. E está lá há uns 8 anos coberto, na espera de um futuro aprofundamento da escavação.

Foto: Gabriela Carvalho/WikiParques
Foto: Gabriela Carvalho/WikiParques

Quais as dificuldades de gerir um parque com um plano de manejo tão desatualizado? Existe alguma previsão para atualizar o plano?

A legislação do SNUC [Sistema Nacional de Unidades de Conservação] estabelece o prazo de 5 anos para revisão do plano de manejo depois de elaborado. O nosso plano tem 38 anos e ainda não foi revisto. Nós tentamos ao máximo atuar de acordo com o contexto real em que vivemos hoje, mas o plano de manejo é muito antigo. Hoje, por exemplo, nós sabemos dessa demanda arqueológica por escavações, então uma das nossas expectativas é incluir a permissão jurídica para esse tipo de trabalho de pesquisa que é importante para unidade.

Também existe a questão das trilhas de visitação. Esse ano, nós estamos abrindo novas trilhas. Se fossemos obedecer totalmente o que está escrito nesse Plano de Manejo, com 38 anos de vida, isso não seria permitido, mas dentro da realidade atual da unidade, constatamos a necessidade de abrir novas trilhas ao visitante. Nós estamos nos antecipando, mesmo que fugindo um pouco do que está escrito.

Ano passado havia a previsão de destinar uma quantia de 200 mil reais do recurso financeiro proveniente da compensação ambiental para fazer a revisão do nosso Plano de Manejo. De repente, houve uma mudança jurídica que impedia a unidade de usar esse dinheiro. Estamos na expectativa de que esse dinheiro seja liberado em breve, para que comece o processo de renovação do plano.

Quais são os principais desafios enfrentados pela unidade?

Primeiramente, existe o desafio do Plano de Manejo desatualizado, que nós esperamos revisar o mais rápido possível para ajustá-lo de acordo com a realidade da unidade hoje.

Quanto aos recursos humanos e financeiros, estamos em uma situação razoável comparada às outras unidades que existem na região. Nossa equipe é formada por 9 servidores (sendo 3 fiscais) e apesar de ser um grupo pequeno, é formado por funcionários dispostos, que se desdobram para atender às demandas da UC. Nossa infraestrutura e apoio orçamentário são satisfatórios, mas o nosso maior problema é conseguir recurso no curto prazo, para resolver problemas como reparos ou manutenção de equipamentos. Essa é uma das nossas maiores dificuldades no sentido financeiro.

Com relação aos desafios externos, um dos problemas que nós enfrentamos é a entrada de gado dentro do parque. Quando isso acontece, nossa equipe faz uma marca no animal, um registro fotográfico e vai à procura do dono, para notificá-lo. E esse proprietário é responsabilizado pelos custos de reparo na cerca por onde o animal dele entrou no parque. Além disso, existe a caça. Por mais que nós tenhamos avançado muito no combate a este tipo de prática, principalmente pelo apoio dos “moradores-fiscais”, essa ainda é uma ameaça constante à qual precisamos estar sempre atentos. É interessante dizer que esses caçadores não são das comunidades vizinhas, eles vêm principalmente da zona urbana.

O sertão às vezes é subestimado quanto à sua biodiversidade e beleza. Fale um pouco sobre as características naturais do parque.

O Parque Nacional de Sete Cidades está localizado em uma região de encontro entre o Cerrado e a Caatinga. E apesar do bioma oficial da unidade ser a Caatinga, a maior parte da composição natural do território do parque, algo em torno de 80%, são ecossistemas de Cerrado. Mas nós possuímos elementos naturais da Caatinga que são marcantes na nossa paisagem, como os afloramentos rochosos, o que passa a impressão de que este é o bioma predominante por aqui. Na nossa flora, por exemplo, nós temos o xique-xique, uma espécie de cacto típico do sertão nordestino; mas também temos o pequi, um fruto do Cerrado. O parque é extremamente rico em biodiversidade exatamente por essa mistura.

 

 

 

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