Com a palavra: Fernando Tatagiba, gestor do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros (parte 1)


Fernando Tatagiba, gestor do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros. Foto: Marcos Pinto
Fernando Tatagiba, gestor do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros. Foto: Marcos Pinto

A concessão público-privada a ser adotada ainda em 2017 pelo Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros (GO), ganhou holofotes e virou tema nas conversas sobre a conservação de áreas protegidas. O assunto ainda divide opiniões, principalmente quando a palavra-tabu “privatização” entra no debate. Nosso entrevistado, o biólogo Fernando Tatagiba, gestor do Parque Nacional, esclarece  que apenas o serviço de apoio à visitação será concessionado. “As pessoas confundem muito a concessão com privatização e, não, o parque não será privatizado. A gestão do parque continuará sendo pública”.

Localizado no estado de Goiás, a 260 quilômetros de Brasília, e uma das unidades de conservação de maior expressão no Cerrado brasileiro, o “Parna Veadeiros” – como também é conhecido – vive um aumento exponencial da visitação. Em 2016, o parque alcançou o número recorde de 63.933 visitantes, mais que o triplo da visitação dez anos atrás, quando registrava 17.407 visitantes. Este inclusive é um dos pontos levantados por Fernando para demonstrar a necessidade de uma concessionária responsável pelo apoio à visitação. “A visitação no parque cresceu muito e o número de servidores não cresceu proporcionalmente ao aumento da demanda que a visitação gera. A concessão irá nos desonerar para cuidarmos das outras áreas”.

Confira aqui a entrevista que o Wikiparques fez com Fernando Tatagiba:

Wikiparques: Qual a sua história com o Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros?

Fernando Tatagiba: Minha relação com o parque começou há quase 20 anos. Eu sou de Niterói (RJ) e a primeira vez que eu vim para cá [a Chapada dos Veadeiros] foi com um amigo em julho de 1997. Assim que chegamos aqui, decidimos que era onde queríamos  morar. De 97, até 2003, quando realizei o sonho de morar aqui, vinha todo ano, pelo menos duas vezes.

Em 2005, comecei a trabalhar no Ministério do Meio Ambiente (MMA) e a fazer vários trabalhos de conservação no Cerrado e na própria Chapada. Foi Carla Guaitanele, antiga gestora do parque, quem me indicou para substituí-la no cargo. Em março de 2016, assumi a gestão do parque. Confesso que nunca imaginei que voltaria para Chapada como servidor, ainda mais como chefe do parque, mas a verdade é que eu adoro esse lugar. É o lugar que eu tinha escolhido 20 anos atrás, sabe? É uma realização profissional e pessoal plena.

Como é feito o controle do fluxo de visitação no parque?

Existe um controle feito diariamente do número de visitantes no parque e além disso, internamente, nós também fazemos o controle de quantas pessoas vão para cada atrativo. É possível ver a evolução da visitação no parque. Nos últimos dez anos a quantidade de visitantes cresceu muito, em 2006, recebemos 17.441 visitantes contra quase 64 mil em 2016.

Foto: Giovanni Zacchini
Foto: Giovanni Zacchini

Muito tem se falado sobre o futuro modelo de concessão público-privado a ser adotado no Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros. Quais as suas expectativas sobre a concessão?

A visitação aqui no Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros tem crescido muito nos últimos anos e o número de servidores não cresce proporcionalmente ao aumento da demanda que a visitação gera. A expectativa é de que a concessão permita não apenas oferecer um serviço melhor ao visitante, mas também nos desonerar para cuidarmos das outras áreas temáticas de um parque nacional.

Se formos olhar lá na Lei do SNUC (Sistema Nacional de Unidades de Conservação), o objetivo de um parque nacional é a conservação de ecossistemas nativos, sendo permitidas uma série de atividades, entre elas visitação, recreação, educação ambiental e pesquisa. A visitação no Parna Veadeiros ocorre em aproximadamente 0,5% do território total do parque, mas a gestão precisa ser feita no restante da área também. Ações de proteção, fiscalização, manejo do fogo, monitoramento da biodiversidade, apoio à pesquisa. É muito difícil a gente conseguir fazer esse trabalho com qualidade, se a gente se dedica só à visitação, que gera uma demanda muito grande.

Nos dá  tranquilidade saber que o concessionário vai ter que atuar sempre observando o Plano de Manejo e as regras do parque. Por exemplo, não vai haver um aumento indiscriminado no número de visitantes por dia dentro do parque. O limite que existe hoje é de aproximadamente 500 pessoas por dia, para todos os atrativos do parque, e esse limite continuará sendo o mesmo (a não ser que seja aberto um novo atrativo, nesse caso haverá um aumento proporcional à capacidade de carga e de manejo desse novo atrativo.) O concessionário estará atuando sob a nossa supervisão e as funções que ele vai desenvolver não são funções características de serviço público. Bilhetagem, por exemplo, a gestão de uma loja de souvenir – que hoje não temos -, de uma lanchonete, ou do camping são serviços que não se caracterizam como serviço público. Com a concessão poderemos nos dedicar mais e melhor ao trabalho de planejamento e gestão da conservação da biodiversidade, propriamente dita, planejando outras atividades e oportunidades para diversificar o uso público da unidade.

Existem muitos mitos e algumas confusões com relação à concessão. As pessoas confundem muito com privatização e, não, o parque não será privatizado. A gestão do parque continua sendo pública, continua sendo feita pelo ICMBio, continua sendo feita com a participação social. O Conselho do parque continuará atuando, inclusive fiscalizando a concessão. Ou seja, a gestão do parque continuará sendo pública e alguns serviços vão ser prestados por um concessionário, o que não é novidade. O IBAMA, ICMBio, Ministério do Meio Ambiente, todos têm alguns serviços feitos por terceiros da esfera privada. Aqui mesmo no Parna Veadeiros, a vigilância patrimonial, o serviço de limpeza e serviços gerais sempre foram terceirizadas. Mas não existe terceirização da gestão do parque.

Como será o processo para selecionar a concessionária que atuará no parque?

Haverá um edital com dois lotes. Na página do ICMBio alguns documentos já estão disponíveis, como o Projeto Básico da Concessão, que traz uma caracterização geral do parque e da visitação na unidade, além dos serviços que serão concessionados. Também estão disponíveis os estudos de viabilidade econômica para esse serviço. O edital, propriamente dito, está em fase final de ajustes e deve ser lançado nas próximas semanas. Imagino que, no mais tardar, no início de fevereiro ele estará disponível.

O edital deve ficar aberto por aproximadamente um mês ou dois para receber propostas. Depois de encerrada esta etapa, vem um período para análise das propostas. Não tenho certeza do prazo de análise, mas pode ser de duas semanas a um mês. E, anunciado o vencedor, ele terá um prazo de 60 dias para anunciar os serviços. Então, tudo indica que no meio do ano o parque já terá um concessionário em atuação.

Hoje não há cobrança de ingressos no Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros. Isso vai mudar?

Existe sim a previsão de cobrança de ingresso. O que estabelece o valor dos ingressos para unidades de conservação é uma Portaria do Ministério do Meio Ambiente, que delega ao ICMBio a possibilidade de fazer ajustes anuais. O preço estabelecido para Veadeiros é de 34 reais. Brasileiros têm 50% de desconto, ou seja, pagam 17 reais, e moradores da região têm um desconto de 90%, portanto pagarão três reais. E existe também a política de isenção para maiores de 60 e crianças de até 12 anos.

Amanhecer na trilha. Foto: Jayme Queiroz
Amanhecer na trilha. Foto: Jayme Queiroz

Notícias sobre incêndios no Cerrado são comuns. Como é feito o trabalho de controle de incêndios dentro do parque?

Para falar de fogo, principalmente no Cerrado, é preciso saber que o fogo é um elemento natural, que condiciona a vegetação e a composição florística do Cerrado como um todo. Mas existem vários indícios de que houve uma mudança no regime natural do fogo após a entrada do homem no Cerrado, há mais de 11 mil anos. Atuar somente com a prevenção e o combate à incêndios tem se mostrado ineficiente. É um gasto de recursos humanos e materiais muito grande para uma eficácia muito baixa. Tanto que praticamente todo ano, na época entre agosto e outubro, começam as notícias de incêndios em unidades de conservação (UCs). Por isso, um dos projetos do parque esse ano é fazer o manejo integrado do fogo. Ou seja, fazer o manejo do regime do fogo e tentar alterar a época predominante de ocorrência do fogo aqui na UC. Evitar grandes incêndios e, principalmente, os incêndios tardios, que são aqueles que ocorrem no auge da época seca, quando existe um grande acúmulo de combustíveis na vegetação e tendem a se tornar incontroláveis  alcançando grandes dimensões. No manejo integrado do fogo, faremos um mapeamento das queimadas que ocorreram no ano anterior, um mapeamento do acúmulo de combustível e assim orientaremos a adoção de práticas que evitem os grandes incêndios e que evitem que esses incêndios cheguem em ecossistemas mais sensíveis ao fogo, como por exemplo, as matas ciliares e as veredas.

E como funciona a brigada do parque?

A brigada é terceirizada, contratada anualmente pelo ICMBio durante um período de seis meses. Em 2016, nós tivemos 36 brigadistas aqui no Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros e também tivemos o apoio de dez brigadistas da Estação Ecológica da Serra Geral do Tocantins (TO), que ficaram conosco por um mês.

Também temos atuado na formação de uma brigada voluntária para trabalhar na prevenção de incêndios em imóveis privados no entorno da unidade. Esse trabalho é fundamental porque a maior parte dos incêndios antrópicos vem de fora para dentro. Normalmente são queimadas para renovação de pastagem ou algum outro uso relacionado à prática agropecuária. O fogo vem das fazendas e chácaras e acaba entrando no parque nacional. Existem também focos de incêndios criminosos, principalmente na beira da estrada. Portanto, para trabalharmos a questão do fogo aqui e, acredito, em qualquer outra unidade de conservação, é fundamental trabalharmos com a comunidade.

Por isso ajudamos a treinar e equipar essa brigada voluntária.Temos também um trabalho forte de articulação e coordenação porque é essencial que esse trabalho seja afinado. Em setembro do ano passado, por exemplo, houve um grande incêndio em uma fazenda vizinha ao parque. Tivemos cinco instituições trabalhando juntas e ao mesmo tempo, de forma articulada: a brigada do parque, duas brigadas voluntárias, o Corpo de Bombeiros e o Grupo Ambientalista do Torto (GAT), que é uma brigada de Brasília que veio nos auxiliar.

Qual a importância do trabalho voluntário no Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros?

A gente trabalha com o voluntariado em várias áreas de gestão do parque. O ICMBio tem um programa de voluntariado, que foi revitalizado recentemente, e, no ano passado recebemos mais de 120 voluntários. Neste momento, estamos com um time de 16 voluntários que trabalham no apoio à visitação, monitoramento de biodiversidade, ações de restauração ambiental e também em questões administrativas. O foco maior é sempre no apoio à visitação, porque a visitação aqui é muito grande e maior do que nossas pernas aguentariam sozinhas. Apenas em julho do ano passado foram mais de 12 mil visitantes. Sem o apoio dos voluntários no Centro de Visitantes ia ser bem difícil manter um trabalho de qualidade.

Por isso, na alta temporada, em janeiro e julho principalmente, além dos feriados prolongados, nós sempre temos uma equipe boa de voluntários. O processo seletivo para esse programa de voluntariado abre de tempos em tempos e nós sempre divulgamos na nossa página do Facebook.

Além disso, também realizamos mutirões de voluntariado para ações como o plantio de sementes nativas em áreas de restauração ambiental. E existem também voluntários locais que são guias cadastrados no parque, que nos ajudam em eventos e atividades de mapeamento.

Cachoeira das Almecega. Foto: Leopoldo Silva
Cachoeira das Almecega. Foto: Leopoldo Silva

Na próxima semana, a segunda parte da entrevista com Fernando Tatagiba discute os desafios para ampliação do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros.

 

 

 

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