Com a palavra: Antônio Augusto de Almeida, gestor do Parque Estadual do Rio Preto


Antônio Augusto “Tonhão” de Almeida. Foto: Warlei Denis
Antônio Augusto “Tonhão” de Almeida. Foto: Warlei Denis

O Parque Estadual do Rio Preto (MG) foi criado em 1994 graças ao esforço conjunto da comunidade do município de São Gonçalo do Rio Preto que, preocupada com o garimpo no leito do rio, conseguiu transformar a área em Unidade de Conservação. Vinte e dois anos depois, um dos principais nomes dessa história e gestor da unidade desde então, o zootecnista Antônio Augusto “Tonhão” de Almeida, se orgulha de um parque implementado e aberto ao público. “Um parque, de um simples decreto, de uma simples lei, até tornar-se realmente uma Unidade de Conservação implementada é uma grande caminhada e uma conquista enorme”, diz.

Meio gestor, meio pai, Tonhão viu não apenas o parque nascer, mas também crescer, com a abertura para o uso público em 2002 e a ampliação do território em 2005. Atualmente, o parque ajuda a preservar cerca de 12 mil hectares do Cerrado mineiro. Em 2015, cerca de 9 mil pessoas visitaram a unidade, número que praticamente triplicou nos últimos dez anos, uma resposta ao trabalho duro de quem veste a camisa da Unidade.

Entretanto, nem tudo são alegrias. No fim de outubro deste ano, o parque precisou suspender a visitação por duas semanas devido ao atraso de pagamento dos funcionários. A falta de recursos é um dos maiores desafios hoje na gestão das Unidades de Conservação brasileiras e Tonhão fala um pouco das dificuldades e da possível solução de um modelo de gestão público-privado.

Confira a entrevista que o Wikiparque fez com Antônio Augusto “Tonhão” de Almeida:

WikiParques: Você é gestor do Parque Estadual do Rio Preto desde a sua criação, em 1994. Conte um pouco da história do parque.

Tonhão: O parque foi criado através de um movimento da comunidade de São Gonçalo do Rio Preto em defesa do Rio Preto, contra a atividade garimpeira no leito do rio aqui no município. Esse movimento cresceu em 1988, com o ressurgimento do garimpo aqui na região, quando vieram dragas para garimpar no leito do Rio Preto. A população se rebelou contra isso e colocou essas dragas para correr. Assim nasceu um movimento em defesa do rio que veio culminar com a criação do parque, porque não adiantava proteger o rio aqui na parte intermediária dele e deixar a sua nascente sendo garimpada por outros garimpeiros. Na época eu fui eleito prefeito da cidade e um dos meus compromissos com a comunidade era defender o Rio Preto. Entrei em contato com órgãos de meio ambiente do estado, e eles nos orientaram de que a melhor maneira de preservar a área seria criar ali uma Unidade de Conservação. Dali surgiu a ideia de criar essa Unidade que veio a ser o Parque Estadual do Rio Preto.

A missão do parque é preservar as nascentes do Rio Preto, além de integrar as Unidades de Conservação da região do Alto Jequitinhonha e incentivar aqui uma sustentabilidade para população local através do turismo ecológico, do turismo bem-orientado, visitando os seus atrativos naturais e preservando eles acima de tudo. Todas as nascentes do Rio Preto estão dentro do parque, que também preserva 35% do município de São Gonçalo do Rio Preto.

Sempre viva compondo a paisagem de cerrado. Foto: Liana Carvalho
Sempre viva compondo a paisagem de cerrado. Foto: Liana Carvalho

Qual a relação do Parque Estadual do Rio Preto com a comunidade hoje?

A relação da comunidade com o parque é muito próxima e é de grande-valia, uma vez que a comunidade, em sua maioria, fala bem do parque e tem uma relação muito próxima com a Unidade de Conservação. Defendem como patrimônio público, mas consideramo também um patrimônio seu, particular, um patrimônio da comunidade. Então, a valorização é enorme e essa relação é muito próxima e muito boa. Nós temos um conselho consultivo formado por órgãos públicos federais, estaduais, ONGs, sociedade privada, associações, sindicatos, então a gente tem uma participação muito efetiva da sociedade e que ajuda na preservação e na divulgação da Unidade de Conservação de toda forma, em todos os seus horizontes.

Quais são os atrativos do parque?

Os atrativos naturais que a gente tem no Parque Estadual do Rio Preto são cachoeiras, piscinas naturais, corredeiras, cânions, praias de arenito com areias muito branquinhas, paredões rochosos, trilhas e mirantes. Todos são atrativos voltados para contemplação da natureza e, em quase todos eles, estão presentes as nascentes e seus cursos d’água. No parque existem também muitos sítios arqueológicos, mas que ainda dependem de muita pesquisa. Os estudos sobre as pinturas rupestres no território do parque são muito preliminares ainda. Já tivemos visita de vários arqueólogos, mas ainda precisamos ter muito mais pesquisa sobre os nossos sítios  arqueológicos.

De uma forma geral, qual a importância de ter essas pesquisas dentro da Unidade?

É importante ter um bom diálogo com a comunidade científica não só pela divulgação do parque, mas pela própria pesquisa e conhecimento das coisas que existem dentro da Unidade de Conservação. Porque para preservar você tem que conhecer. E a pesquisa permite você conhecer melhor a Unidade de Conservação, além de divulgar o nosso parque e manter uma relação de parceria entre gerências federais, estaduais e do município, porque sozinho ninguém faz nada.

Recentemente, a visitação no Parque Estadual do Rio Preto foi suspensa durante duas semanas por falta de pagamento aos funcionários. Como tem sido o desafio de gerir uma Unidade de Conservação com tão poucos recursos?

Há determinadas épocas em que tudo anda muito bem e outras que têm seus entraves, como agora em que tivemos que suspender a visitação por quinze dias devido a falta de pagamento de funcionários.  Como é que você faz a gestão de uma Unidade de Conservação sem recurso humano? Felizmente, essa situação já se regularizou e conseguimos voltar ao pleno funcionamento. De uma maneira geral, os recursos até vêm, não posso falar que não. O parque conta com veículos, equipamentos e uma estrutura muito boa, com centro de visitantes e área de camping. Ultimamente o que nos tem preocupado é o recurso humano. Porque as firmas que prestam serviços pro parque estão passando por dificuldades financeiras assim como o próprio Estado, e isso compromete muito a gestão da Unidade de Conservação, porque você trabalha com o uso público e de uma hora para outra você tem que fechar a Unidade, cancelar a agenda e dar a notícia de que o parque está sem dinheiro e sem funcionário. Pega mal ‘danado’ para Unidade de Conservação.

As águas acastanhadas do Rio Preto, contrastando com as areias brancas e formações de quartzo. Foto: Liana Carvalho
As águas acastanhadas do Rio Preto, contrastando com as areias brancas e formações de quartzo. Foto: Liana Carvalho

Qual a importância do uso público como ferramenta de conservação?

O uso público é importante como uma forma da pessoa conhecer aquele patrimônio, porque conhecendo a pessoa valoriza. Você trabalha a educação ambiental com isso. O uso público dentro de uma Unidade de Conservação em conjunto com um trabalho de educação ambiental é fundamental. Você abre o parque para divulgar e ao mesmo tempo esse visitante aprende a valorizar e ajuda a preservar a Unidade de Conservação.

Como garantir então que o uso público seja realizado de forma consciente?

Em primeiro lugar, você tem que ter uma equipe muito boa. O parque tem que ser bem gerido e você tem que ter uma equipe de guarda-parques à altura. Para isso, a gente trabalha com guarda-parque da região: ele valoriza mais a Unidade, ele tem interesse que aquela unidade dê certo, então ele veste a camisa e faz de tudo para que cresça e melhore ao longo do tempo.

O desafio para que isso dê certo é ter um trabalho de educação ambiental diariamente com todo visitante que chega. Todo visitante que entra no parque passa pelo nosso centro de visitantes, onde ele recebe todas as informações do parque. Antes de ele sair para qualquer caminhada, qualquer atrativo, ele é orientado no nosso centro de visitantes. É por isso que a gente consegue ter uma Unidade de Conservação limpa, preservada e com os atrativos naturais em boas condições. O visitante tem que conhecer, valorizar e ajudar, se não a gente não dá conta. E se você não falar isso todo dia e toda pessoa que entrar lá não tiver o mínimo de orientação possível, você não consegue atingir o objetivo que é preservar e conservar essa área.

O parque cobra ingresso dos visitantes, esse dinheiro fica no parque?

Esse valor que é cobrado e arrecado com os ingressos dos visitantes não retorna diretamente para o parque. Todo final de mês a gente emite uma guia com esse valor e o depósito cai na caixa única do Estado. O dinheiro vai para o caixa único e depois volta de outras formas, para arcar com uma parte das despesas da Unidade. Às vezes volta até mais do que o valor arrecadado nos ingressos, às vezes menos, isso varia. Mas aquele recurso especificamente, que é arrecadado dentro da Unidade, não volta para cobrir pequenas despesas e isso é um gargalo que as Unidades de Conservação têm. Se você tivesse uma parte desse dinheiro recolhido na portaria, na área de camping e no alojamento, que voltasse para cobrir uma parte das pequenas despesas da Unidade de Conservação, elas funcionariam melhor. Hoje em dia a gente tem uma certa dificuldade em lidar com essas pequenas despesas, como uma torneira, um cano, uma telha, qualquer coisa nesse sentido que representa uma pequena despesa, mas que são necessárias para que a estrutura do parque funcione legal.

Diante dessas dificuldades de captação de recursos para manutenção da Unidade de Conservação, você acredita que a concessão de parques e uma parceria público-privada na gestão de Unidades de Conservação pode ser uma solução?

Eu acredito que sim. Na esfera dos parques estaduais nós ainda não temos exemplos desse modelo de gestão, mas eu acredito que a saída para preservação da maioria das Unidades de Conservação será essa parceria público-privada atuando em determinadas áreas da Unidade. Principalmente na área de uso público. Eu sinceramente acho que isso é que vai salvar as Unidades de Conservação.

O Estado não tem condição de ficar bancando funcionários para garantir o uso público dentro dos parques. Essas Unidades, além de preservar, que é sua principal função, devem gerar fonte de renda para se autogerir. Quando isso fica por conta do Estado, é caro demais. É difícil de fazer.

Acho que se a gente ficar com a parte do monitoramento, da proteção, de combate à incêndio e fiscalização, já estaremos fazendo demais., ssa parte de uso público passaríamos para iniciativa privada em parceria com o setor público. Eu acredito que vai funcionar bem porque já tem funcionado em grandes parques da esfera federal, como o Parque Nacional do Iguaçu. E esse modelo tem gerado muita renda, não só para Unidade de Conservação, mas para o Estado de maneira geral.

Foto: Liana Carvalho
Foto: Liana Carvalho

Tendo em vista todas os desafios que representam implementar e gerir uma Unidade de Conservação aberta ao uso público, gostaria que você me contasse um pouco da sua experiência como gestor do Parque Estadual do Rio Preto.

Eu tenho um carinho especial por essa Unidade de Conservação porque, além de ajudar na criação, ajudei na implantação e faço a gestão há 22 anos. A gente cria um amor próprio pela área e é importante ter essa relação. Quando você é da região e cria esse vínculo com a Unidade, tem como fazer uma gestão mais afetiva, o que torna o trabalho gostoso. como cidadão você tenta levar isso para comunidade e fazer uma gestão mais próxima dela, e eu acho que as coisas fluem melhor dessa forma.

Estar a frente do Parque Estadual do Rio Preto há tantos anos tem sido um aprendizado danado, porque você aprende de tudo. Para ser um gestor de uma Unidade de Conservação é necessário saber como pregar um prego, apertar um parafuso, lidar com recursos humanos, lidar com fundiários, com incêndio florestal, com visitantes, com pesquisadores. Tem que entender um pouco de tudo.

Um parque, de um simples decreto, de uma simples lei, até tornar-se realmente uma Unidade de Conservação implementada é uma grande caminhada e uma conquista enorme. Foi preciso muito trabalho duro para o nosso parque chegar no ponto em que está. Nosso parque recebe visitantes, divulga o município, prepara o município para o turismo e conscientiza as pessoas sobre a importância do meio ambiente e da preservação. Essa é uma conquista enorme não só para mim, como gerente, mas para para comunidade e para Unidade de Conservação. E é uma conquista da qual me orgulho não só como servidor, mas como cidadão também.

 

 

 

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