Com a palavra: Eduardo Pinheiro, gestor do Parque Estadual do Cunhambebe


Eduardo Antunes
Eduardo Pinheiro, gestor do Parque Estadual do Cunhambebe.

O Parque Estadual do Cunhambebe (RJ), com aproximadamente 38.000 hectares de extensão, é o segundo maior parque estadual do Rio de Janeiro e um dos “caçulas” entre as unidades de conservação do estado. Abrangendo os municípios de Angra dos Reis, Mangaratiba, Rio Claro e Itaguaí, no seu território já foram registradas mais de 1000 espécies nativas da flora e mais de 500 da fauna, incluindo espécies ameaçadas de extinção, como o macaco muriqui.

Os visitantes do parque estadual encontrarão um leque de atrativos dentre os caminhos sombreados pela Mata Atlântica preservada: cachoeiras, poções, trilhas, ruínas e pontos históricos que remontam ao passado da região e até uma intervenção artística que representa o sexto anel olímpico.

Gestor do Parque Estadual do Cunhambebe há 3 anos, o geógrafo Eduardo Pinheiro Antunes destaca a importância do uso público e das pesquisas científicas como aliadas da conservação, já que permitem conhecer melhor o patrimônio que se quer preservar. Ele acredita que as unidades de conservação “são laboratórios vivos pautados na interdisciplinaridade e na interação dos seus sistemas, e representam inúmeras possibilidades de pesquisa e produção de conhecimento”.

Confira abaixo a entrevista que o WikiParques fez com Eduardo Pinheiro:

WikiParques: O Parque recebe cerca de 13 mil visitantes por ano (dados de 2013). Fale um pouco sobre os atrativos do parque, as trilhas, os picos, as cachoeiras.

Eduardo Antunes: O Parque Estadual Cunhambebe (PEC) tem uma localização privilegiada em uma região turística consolidada, de rara beleza cênica e paisagística, que oferece um leque de oportunidades para visitação, com destaque para as exuberantes cachoeiras e poções, em muitos casos de fácil acesso devido à proximidade de estradas como a BR-101 e as RJ-155 e RJ-149. Existem também diversas trilhas que levam o visitante a picos de onde é possível ver as baías da Ilha Grande e de Sepetiba, e o relevo montanhoso da Mantiqueira.

A gestão da Unidade tem atuado estrategicamente na estruturação e divulgação dos principais atrativos localizados nas Áreas de Visitação das Serras de Sahy-Muriqui-Itacuruça (Setor das Cachoeiras) e das Montanhas de Lídice. Os principais atrativos destas áreas são o Pico da Pedra Chata e do Papagaio, em Lídice/Rio Claro; a trilha e os poções do Caminho das Águas do Sahy, localizada próxima a sede do Parque; a cachoeira do Itimirim, em Itaguaí; e a Cachoeira Véu da Noiva, em Muriqui. Esta última é o local de instalação da obra de arte “Ring: one with nature”, da artista japonesa Mariko Mori, instalada durante as Olimpíadas e Paralimpíadas do Rio deste ano.

Além das belezas naturais, a região do PEC representa também um rico patrimônio histórico-cultural, e as trilhas por vezes cruzam com antigas ruínas que contam um pouco da história de ocupação da Costa Verde. Uma dica é o visitante seguir viagem nas históricas estradas RJ-149 e RJ-155, onde será possível conhecer atrativos como o Bebedouro da Barreira,  o Mirante Imperial da APA Estadual de Mangaratiba, a Cachoeira dos Escravos, pontes históricas e os antigos mirantes e túneis da Serra d’água. O Parque Estadual Cunhambebe, como um todo, se insere em uma região privilegiada e com grande potencial ecoturístico, com um roteiro que pode incluir as praias da Ilha Grande, da Juatinga e do Parque Nacional da Serra da Bocaina.

O Parque Estadual do Cunhambebe é uma das UCs do estado que receberam ecocontadores para controlar o fluxo de visitantes em trilhas. Como tem sido a implementação desta tecnologia e quais os objetivos do seu uso no PEC?

Os ecocontadores têm se mostrado uma ferramenta inovadora e importante para a gestão do PEC. Dentre os benefícios deste equipamento pode-se citar a geração de informações em um breve período de tempo, o que se tornou um facilitador para equipe de campo do Parque.  As informações gera das pelo equipamento demonstraram, inclusive, a necessidade de ordenamento da visitação em alguns atrativos do PEC, visando a preservação ambiental através de uma visitação segura que resulte em uma experiência de qualidade para o visitante.

Este equipamento também é um potencial aliado no combate às ações ilícitas que ocorrem no interior do Parque. Além dos dados de visitação, é possível extrair inúmeras informações sobre a rotina de uso das áreas do PEC e facilitar o direcionamento das ações da equipe de proteção da UC e da 4ª Unidade de Policiamento Ambiental (UPAM-Juatinga).

Cachoeira Véu das Noivas. Foto: William Costa Rodrigues
Cachoeira Véu das Noivas. Foto: William Costa Rodrigues

No final do ano passado, o Parque inaugurou sua sede, que inclui um centro de visitantes e até um auditório. Qual tem sido o impacto desta melhoria na infraestrutura do parque e quais suas expectativas sobre o uso e potencial do espaço?

Ao se pensar na qualidade da infraestrutura e gestão do Parque Estadual Cunhambebe, enxergamos uma grande diferença entre o antes e depois da inauguração de sua sede. A criação da sede, junto com a publicação do Plano de Manejo e com a representatividade do corpo de guarda-parques, representou um expressivo e positivo avanço na consolidação da Unidade. A sede, em especial, trouxe benefícios como a melhoria na logística da equipe, a aproximação com as comunidades vizinhas, a maior viabilização dos trâmites administrativos, o fortalecimento do conselho consultivo e do uso público, e também uma melhoria na infraestrutura de pesquisa científica e das ações de prevenção e combate à incêndios florestais. Além do espaço dedicado à administração da Unidade, hoje na sede do PEC funciona também um alojamento para pesquisadores e servidores, brigada de incêndio, centro de visitantes, auditório, sala multiuso e oficinas. Esses espaços se transformam em palco de diversas atividades, e já tivemos inclusive eventos com público superior  a 200 participantes em um único dia!

Na sua opinião, qual a importância do uso público de áreas protegidas?

Estamos presenciando um crescimento expressivo da visitação de áreas protegidas no Brasil, o ecoturismo é um dos segmentos mais promissores do mercado de turismo internamente. O uso público se apresenta como uma ferramenta de sensibilização da sociedade sobre a importância da conservação da biodiversidade e como vetor do desenvolvimento local e regional. Outro fator a ser mencionado é que entendemos o uso público como um conceito que vai muito além da concepção reducionista que o concebe somente como o ecoturismo, nesse sentido, os potenciais desta atividade devem ser somados a atividades como o voluntariado, as pesquisas científicas, as atividades de interpretação ambiental e comunicação das Unidades.

Além disso, devemos considerar a consagrada premissa de que somente amamos aquilo que conhecemos, assim, apenas o contato com a natureza é capaz de nos ensinar a amá-la. Considerando que nos tempos modernos a natureza é apresentada para muitos essencialmente através dos livros e vídeos, isoladas e distante, podemos compreender que as áreas protegidas podem ser o cenário ideal para a reconexão do homem com a natureza, e para garantir o conhecimento e a valorização da natureza através do acesso e seu uso compatível com os interesses de sua preservação.

Outro fator que evidencia a importância do uso público é percebê-lo como peça fundamental para fortalecer a compreensão sobre a importância da UC e seu papel no desenvolvimento social, econômico, cultural e ambiental. No Parque Estadual Cunhambebe, entendemos que o bom uso inibe o mau uso e os visitantes, desde que respeitemando as regras e normas da UC, são parceiros incomensuráveis para a gestão do Parque.

O Parque protege importantes mananciais e nascentes e ajuda a compor um corredor ecológico de Mata Atlântica. Existe algum tipo de trabalho de educação ambiental desenvolvido na UC sobre a importância da preservação destas áreas de floresta nativa?

Atualmente o PEC tem dispensado atenção especial e sido muito atuante nas atividades de interpretação ambiental direcionadas às instituições de ensino e às comunidades de seu entorno. A Unidade atende demandas externas da própria comunidade e das prefeituras dos quatro municípios abrangidos pelo PEC (Itaguaí, Mangaratiba, Rio Claro e Angra dos Reis). Já realizamos ações em 32 escolas destes municípios, com palestras referentes ao programa “PEC nas Escolas”, que busca levar informações amplas sobre Unidades de Conservação da natureza, notadamente o Parque Estadual Cunhambebe, e abordar questões ambientais locais, regionais, nacionais e globais. Além disso, visa o fortalecimento do reconhecimento e respeito à diversidade genética de espécies e de ecossistemas, e ressaltar  o compromisso com a cidadania ambiental ativa.

Além das escolas, o PEC direciona ações de interpretação ambiental para toda a comunidade do entorno do Parque e dos municípios abrangidos pela Unidade de Conservação. Essas ações se concretizam através de atividades como: câmaras temáticas no conselho consultivo, oficinas, palestras, feiras, trilhas, cine ambiental e debate, além de eventos diversos que procuram gerar reflexão e despertar valores éticos em relação ao meio ambiente.

Qual a relação do Parque com pesquisas científicas?

Entendemos que as pesquisas científicas além de constarem como um dos objetivos de criação do PEC são instrumentos importantíssimos para o suporte da gestão desta UC. Dados levantados na área da unidade por pesquisadores das mais variadas áreas subsidiaram ações importantes, como a publicação do Plano de Manejo, o planejamento das ações de uso público, a manifestação processual, entre outras ações. Dessa forma, entendemos que a autorização para a realização de pesquisas científicas vai além do exigido pela legislação pertinente, mas é também um instrumento fundamental de apoio a unidade de conservação.

Em reconhecimento a essa importância, hoje na sede do PEC existe um espaço dedicado para o atendimento dos pesquisadores, com alojamento para 16 pessoas, sala de apoio, lavanderia e cozinha. Além disso, o INEA também fomenta a geração do conhecimento e as pesquisas científicas por meio de eventos como encontros científicos e seminários. O próprio conselho do PEC tem um interesse cada vez maior em conhecer os temas e resultados das pesquisas que ocorrem aqui no Parque. Além disso, a constante participação e representatividade de universidades no conselho tem sido um ponto disseminador das informações referentes à Unidade e de atração para cada vez mais pesquisas e novas áreas de atuação.

Por meio das pesquisas temos atualizado constantemente as listas de espécies de flora e fauna encontradas na UC. Hoje temos 1019 espécies de flora registradas, 29 delas com algum grau de ameaça; e 570 espécies de fauna, com registro de 25 ameaçadas. Além disso, recentemente tivemos duas novas espécies descritas aqui na área do Parque.

Ao considerarmos o grau de preservação das florestas existentes no interior do Parque, a intensa conectividade com outras Áreas Protegidas, o número de pesquisas científicas realizadas e o pouco tempo de existência desta UC, a gente percebe que ainda temos muitas lacunas de conhecimento a serem desvendadas no interior do PEC. Entendemos que não só o Cunhambebe, assim como, as demais UCs são, na verdade, laboratórios vivos pautados na interdisciplinaridade e na interação dos seus sistemas, e representam inúmeras possibilidades de pesquisa e produção de conhecimento.

Parque Estadual Cunhambebe. Foto: Gustavo Pedro
Parque Estadual Cunhambebe. Foto: Gustavo Pedro

Existe algum projeto de trabalho voluntário no Parque Estadual do Cunhambebe?

Hoje no PEC atuamos com atividades pontuais de voluntariado, como por exemplo, em mutirões de limpeza e de manejo dos atrativos envolvendo principalmente as comunidades do entorno do Parque. Entretanto, é nítida a importância de um programa continuado de voluntariado e o papel que o voluntário representa nas UCs. Nesse sentido, o PEC tem como um dos seus principais objetivos fomentar esta atividade.

O Parque está numa região com um passado indígena muito forte. A referência vai inclusive no próprio nome, Cunhambebe, que é uma homenagem a um importante líder indígena. De que forma o Parque atua para preservar esta memória?

Além de o Parque carregar esse nome, levamos, diariamente, com muito orgulho, a figura do cacique Cunhambebe na logomarca de nossa unidade, e nos espelhamos na sua luta para nos dias de hoje protegermos esse importante remanescente florestal da Costa Verde fluminense. Existe uma preocupação real do PEC em preservar a memória e passado indígena, que vai além da história regional. Um dos exemplos é a parceria realizada com o Museu do Índio/FUNAI, que possibilitou a realização de três exposições de temática indígena no centro de visitantes de nossa sede, direcionada para alunos da rede pública de ensino, e aberta para toda a comunidade do entorno do PEC e visitantes.

Além disso, todo último sábado do mês promovemos o “Programa de Índio”, um evento aberto ao público e com objetivo de promover a integração do PEC com a população através de trilhas guiadas, palestras, oficinas, apresentações artísticas, cine ambiental, exposições, entre outras atividades que paulatinamente estão enriquecendo e fortalecendo o uso público na UC.

Por fim, cabe destacar que o Dia do Índio, comemorado dia 19 de abril, está consolidado no calendário anual de eventos da unidade. Nesta data, a UC tem o desvelo de se ater as histórias regionais como da confederação dos Tamoios e do Cacique Cunhambebe, com atividades voltadas para as escolas e comunidades do entorno que remetem o público a uma ressignificação e valorização da história local.

Quais são os desafios que você enfrenta na gestão do Cunhambebe?

Dentre os principais desafios que enfrentamos estão as pressões das atividades de palmiteiros e caçadores na região em que o PEC está inserido, além disso, outro desafio importante é diminuir as ocupações irregulares e os ilícitos ambientais de maneira geral. Também acredito que todas as UCs possuem um desafio comum importantíssimo, que é o de promover um sentimento de pertencimento da população nas Áreas Protegidas, que possa influenciar na mudança de paradigma da relação sociedade-natureza. Nesse sentido, uma das estratégias que nossa equipe tem usado é a apresentação da importância dos serviços ambientais prestados pelo PEC às diversas comunidades existentes no seu entorno.

A equipe do WikiParques agradece a entrevista, Eduardo! Aos nossos leitores, acompanhem o Blog e o Facebook do WikiParques para novidades e futuras entrevistas com os gestores das nossas áreas protegidas.

 

 

 

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