Com a palavra: Rodrigo Rocha, gestor da Reserva Ecológica Estadual da Juatinga


Rodrigo Rocha, gestor da Reseva Ecológica Etadual da Juatinga . Foto: Acervo Pessoal

A Reserva Ecológica Estadual da Juatinga (RJ) foi criada em 1992 com o objetivo de proteger o patrimônio natural da região e também a cultura caiçara das comunidades que ali vivem. São 8.000 hectares que abrangem praias conhecidas, como Sono e Martim de Sá, e outras nem tão conhecidas (e por isso mais desertas), como Praia Grande e Cruzeiro. Além do seu próprio Pão de Açúcar.

Localizada no município de Paraty, é uma unidade de conservação singular. Não apenas por abrigar o único fiorde brasileiro (a bacia rodeada de montanhas do Saco do Mamanguá), mas também por ser a estrela solitária do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) na categoria “Reserva Ecológica”. O próprio  SNUC não reconhece oficialmente a categoria e, por isso, é importante recategorizá-la.

Gestor da unidade há sete anos, o biólogo Rodrigo Rocha explica que a recategorização é um passo importante:  “A recategorização é um divisor de águas para gestão do território e pode melhorar muito a relação com as comunidades caiçaras, já que um dos principais objetivos é reduzir os conflitos da UC com a população”.

Confira abaixo a entrevista que o WikiParques fez com Rodrigo Rocha:

WikiParques: Quais as características que diferem uma Reserva Ecológica de um Parque, por exemplo?

Rodrigo Rocha: Essa é uma pergunta difícil. Não há muita informação disponível sobre Reservas Ecológicas. Na teoria, são unidades de proteção integral, mas na prática, consideramos a Reserva Ecológica Estadual da Juatinga (REEJ) como uma categoria híbrida, que tem características de proteção integral na maior parte do território e características de uso sustentável nas vilas caiçaras. A REEJ ainda não possui Plano de Manejo, porém adotamos o Plano de Manejo da Área de Proteção Ambiental do Cairuçu (criada em 1983), uma Unidade de Conservação federal de uso sustentável que é sobreposta pela Reserva. Nesse Plano de Manejo foram definidas as Zonas de Expansão de Vilas Caiçaras (ZEVC), destinadas a abrigar moradias e parte das atividades de reprodução econômica e social das comunidades.

Eu diria que a principal diferença é que a Reserva Ecológica admite a presença das comunidades. Mas esta categoria não existe no Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) e, por isso, a UC precisa ser recategorizada, conforme dispõe o artigo 55 da Lei 9.985, de 2000. Em 2010 e 2011, o INEA realizou estudos técnicos de subsídio à recategorização e a proposta é de que as Zonas de Expansão de Vilas Caiçaras, assim como as áreas próximas – geralmente usadas para agricultura e extrativismo vegetal – sejam transformadas em Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS), voltadas para o turismo sustentável e para preservação do modo de vida tradicional das comunidades. Já nas outras áreas, onde não há ocupação humana nem usos tradicionais, a proposta é de que sejam transformadas em Parque Estadual, com o objetivo de proteger a biodiversidade e a paisagem.

Essa recategorização, entretanto, é um processo complexo e ainda não tem prazo para ser concluída. No último ano, nos dedicamos a escrever uma proposta de norma transitória para regulamentar o uso e a ocupação do solo nas vilas caiçaras. As comunidades estão crescendo e é preciso definir procedimentos para lidar com essa demanda sem comprometer as características culturais e a qualidade de vida das pessoas. Nossa expectativa é publicar essa norma ainda este ano, além de retomar as discussões sobre a recategorização da UC.

O Pão de Açúcar da Reserva Ecológica da Juatinga não tem nada a ver com o clássico carioca, mas o visual lá de cima não deixa nenhum cartão-postal a desejar. A paisagem do "fiorde brasileiro" como é conhecida a região do Saco do Mamanguá e sua bacia é sensacional. Vale a pena a trilha de cerca de 1h30 para chegar ao topo e ter essa visão panorâmica! Foto: Duda Menegassi
O Pão de Açúcar da Reserva Ecológica da Juatinga não tem nada a ver com o clássico carioca, mas o visual lá de cima não deixa nenhum cartão-postal a desejar. A paisagem do “fiorde brasileiro” como é conhecida a região do Saco do Mamanguá e sua bacia é sensacional. Vale a pena a trilha de cerca de 1h30 para chegar ao topo e ter essa visão panorâmica! Foto: Duda Menegassi

A Reserva passou por um processo recente de reordenamento turístico para melhorar sua infraestrutura aos visitantes. Na sua opinião, qual a importância do ecoturismo e do uso público de áreas protegidas, e na Reserva da Juatinga em especial, para conservação destes espaços?

O uso público é fundamental para promover uma inserção econômica regional da UC, gerar trabalho e renda para as comunidades, além de elevar a consciência ambiental das pessoas, de um modo geral. As pessoas que têm a oportunidade de visitar uma UC saem de lá mais conscientes da importância de preservar esses patrimônios coletivos. Mas é preciso ter cuidado, pois o turismo desordenado pode levar a uma rápida degradação dos atrativos e comprometer a conservação da natureza. Por isso, é fundamental mapear os atrativos, compreender o funcionamento dos fluxos de visitantes, realizar estudos de capacidade de carga turística e definir parâmetros de qualidade ambiental, com foco principal na qualidade da experiência do visitante e na sustentabilidade dos atrativos. O turismo ecológico é uma atividade que respeita os limites da natureza e o modo de vida das populações locais, por isso deve ser sempre incentivado.

A REEJ, por ser uma unidade costeira, com diversas praias, sofre todos os anos com o turismo desordenado, principalmente no Réveillon e Carnaval. Temos trabalhado duro para tentar mudar isso. Produzimos e distribuímos mais de 60 mil folders com informações turísticas de qualidade e regras de conduta na unidade, fiscalizamos a prática de camping selvagem e fazemos operações de ordenamento turístico para contagem e credenciamento de visitantes. Recebemos o apoio da Fundação SOS Mata Atlântica para realizar um estudo de capacidade de carga turística e temos uma proposta de um número balizador de visitação para alguns atrativos da Reserva que são mais visitados, mas esse é um trabalho difícil. Muitas comunidades dependem do turismo como fonte de renda e é preciso negociar e investir na formação da consciência da própria comunidade, para mostrar que o turismo ordenado é bom para todos porque gera renda de forma sustentável. Felizmente, aos poucos, estamos conseguindo cada vez mais o apoio dos moradores e empreendedores.

Outro projeto é desenvolver um portal na internet que funcionará como uma espécie de central de credenciamento, para ajudar a gerir a visitação de forma transparente. Quando a demanda de visitação for maior do que a capacidade de carga pré-definida, o portal de ordenamento facilitará a gestão da visitação através desse credenciamento. O visitante é muito bem-vindo na Reserva Ecológica Estadual da Juatinga, porém queremos que o impacto da sua visita seja o menor possível.

Existem diversas trilhas no território da Reserva. Como é feito o trabalho de manejo e sinalização?

Nosso trabalho de manejo e recuperação de trilhas teve início há cerca de seis anos, na trilha que liga a Vila Oratório à Praia do Sono. A trilha estava em péssimas condições, com vários pontos de erosão e locais que colocavam em risco a segurança de quem a usava. Através de uma condicionante ambiental, fizemos a recuperação dos cerca de três quilômetros desta trilha com melhoria da drenagem, construção de escadas, corrimãos e pequenas pontes e passarelas. Além disso, a REEJ recebeu um efetivo de 15 guarda-parques pelo INEA, que passaram a atuar no monitoramento, manejo e sinalização, dentre outras atividades. De lá para cá, foram realizadas diversas intervenções de manejo em trechos críticos como, por exemplo, trechos para a Cachoeira do Saco Bravo, na região da Ponta Negra, e trechos para o Pão de Açúcar, na região do Saco do Mamanguá.

Outra boa notícia é que estamos finalizando a sinalização da Trilha de Travessia da Juatinga. São cerca de 34 quilômetros de trilhas totalmente sinalizadas, com cerca de 60 placas, que seguem um padrão de identidade visual que serve para todas as UCs administradas pelo INEA e trazem informações como o nome das localidades, distâncias e orientação direcional. Além das placas oficiais, também estamos implementando em diversos pontos a sinalização rústica, feita em madeira, que são colocadas onde há risco das pessoas se perderem. Esse é um trabalho essencial e muito valorizado pela comunidade e pelos visitantes.

Como é a relação da UC com as comunidades caiçaras que existem dentro do território da REEJ?

A relação com as comunidades não é fácil. Com a chegada do turismo, as comunidades praticamente abandonaram algumas atividades tradicionais, como a agricultura, e voltaram suas atividades para prestação de serviços ao turista, como hospedagem, transporte e alimentação.

Um dos maiores problemas para nós hoje é o crescimento do número de edificações nas vilas caiçaras da REEJ. A cada ano, surgem novas construções, apesar dos esforços de fiscalização. Como não há parâmetros construtivos, a ocupação do solo nas comunidades ocorre de forma desordenada, um problema que ainda é agravado pela falta de saneamento básico nas vilas. Nós percebemos que a grande demanda de construção de edificações nas vilas caiçaras da Reserva não é para satisfazer a necessidade de moradia dos nativos, mas sim para construção de chalés, quartos e casas para aluguel para os turistas. E essa é uma demanda que vem crescendo, principalmente depois que algumas comunidades receberam energia elétrica.

Outro problema relacionado é a venda de posses para veranistas. Diversos moradores vendem suas áreas de posse para veranistas que, por sua vez, querem realizar obras de melhoria das edificações. A administração da REEJ atua para evitar novas construções ou ampliações de imóveis por veranistas, mas não pode impedir os caiçaras de venderem suas áreas. Muitos moradores vendem terrenos e abrem novas áreas, o que aumenta ainda mais o impacto na localidade. Esse é um problema muito sério e difícil de lidar, e nós reconhecemos que é preciso melhorar o diálogo com as comunidades a esse respeito, mas também é fundamental avançar com o processo de normatização do uso e ocupação do solo nas vilas caiçaras, recategorizar a REEJ e fortalecer as ações de fiscalização.

A energia elétrica, como você mencionou, é uma novidade para muitas destas comunidades, que até então utilizavam principalmente geradores alimentados por combustíveis fósseis. Como foi organizada, por parte do INEA, essa iniciativa de levar eletricidade às vilas caiçaras?

As comunidades da Praia do Sono, Pouso da Cajaíba, Calhaus, Itanema, Praia Grande da Cajaíba, Ponta da Romana, Cruzeiro e Baixio de Dentro foram beneficiadas pelo “Programa Luz para Todos”, do governo federal e os projetos foram licenciados pelo INEA. No começo, havia uma interpretação de que a REEJ precisava ser recategorizada antes de receber os projetos, mas esse entendimento mudou e decidimos pelo licenciamento dos projetos, pois eram de grande apelo social. Foram adotados diversos critérios socioambientais na definição das unidades consumidoras que receberam a energia e novos pedidos de ligação seguem rigorosos critérios de avaliação ambiental da propriedade ou área a ser beneficiada. Na praia do Sono, primeiro local a receber energia, sabemos que a eletricidade trouxe um impacto grande no aumento do número de edificações e no aumento da visitação. São os dois lados do progresso. Se por um lado, conseguimos levar um direito elementar ao morador da REEJ, por outro lado temos que lidar com o aumento das pressões ambientais em decorrência disso.

Martim de Sá é um dos points na Reserva Ecológica Estadual da Juatinga para surfistas. O acesso é feito por trilha ou barco. Foto: Duda Menegassi
Martim de Sá é um dos points na Reserva Ecológica Estadual da Juatinga para surfistas. O acesso é feito por trilha ou barco. Foto: Duda Menegassi

Quais são os principais desafios da gestão na Reserva Ecológica Estadual da Juatinga?

O principal desafio é a recategorização da UC. Avançamos muito em 2010 e 2011, com o estudo técnico e subsídio, e fizemos uma primeira grande consulta pública em 2013. Agora, precisamos retomar, fazer ajustes na proposta, incluindo as contribuições da consulta pública e fazer, então, uma nova consulta. A recategorização é um divisor de águas para a gestão do território e pode melhorar muito a relação com as comunidades, já que um dos principais objetivos é reduzir os conflitos da UC com a população.

O ordenamento turístico é outro grande desafio. Já temos proposta de números balizadores de visitação para alguns locais e precisamos implementar e desenvolver o portal do ordenamento que vai auxiliar nessa gestão da visitação.

Outro ponto que não pode ser ignorado é o saneamento básico nas comunidades. Em toda a Reserva não há tratamento de esgoto. Apenas recentemente foi inaugurada uma unidade de tratamento alternativo de esgoto na Escola Municipal Martim de Sá, na comunidade do Sono. É um projeto desenvolvido pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), mas o desafio de fazer o saneamento chegar nas comunidades da REEJ é enorme. Como não há rede coletora, só podem ser empregadas técnicas alternativas que façam o tratamento no próprio local, e mesmo as técnicas alternativas demandam projetos e recursos financeiros.

A equipe do WikiParques agradece a entrevista, Rodrigo! E você, Caro Leitor, continue atento ao Blog e ao Facebook do WikiParques para novidades e futuras entrevistas com os gestores das nossas áreas protegidas.

 

 

 

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