Com a palavra: Sandro Muniz, gestor do Parque Estadual da Ilha Grande e da Rebio Estadual da Praia do Sul


Sandro Muniz. Foto: Arquivo Pessoal
Sandro Muniz. Foto: Arquivo Pessoal

Durante as férias, é comum ver filas de turistas no centro de Angra dos Reis à espera do embarque para cruzar o mar em direção à Ilha Grande. Existem três locais para o desembarque na ilha mas, aonde quer que o visitante desça, a natureza o receberá com praias, cachoeiras e grutas. O que nem todos os turistas se dão conta é de que este é um santuário protegido por três Unidades de Conservação, que correspondem a 87% do território da ilha.

A maior delas, o Parque Estadual da Ilha Grande (RJ), foi criada em 1971, ampliada em 2007, e abrange na sua orla praias famosas por sua beleza natural como Lopes Mendes, Pescaria, Baleia, Dois Rios e Caxadaço, além de ser um importante reduto de Mata Atlântica. Ao lado do parque estão a Reserva Biológica da Praia do Sul (RJ), criada em 1981, e a Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Aventureiro, criada em 2014, de menor porte, mas igualmente importantes na preservação do patrimônio natural.

O gestor do Parque Estadual da Ilha Grande e da Reserva Biológica Estadual da Praia do Sul, Sandro Muniz está desde 2011 à frente dessas duas Unidades de Conservação. Biólogo de formação, Sandro é um grande incentivador das pesquisas científicas e atividades escolares dentro de áreas protegidas, e reforça que “nosso objetivo é que todas as escolas de Angra dos Reis conheçam as Unidades de Conservação da Ilha Grande”.

Confira abaixo entrevista que o WikiParques fez com Sandro Muniz:

WikiParques: Há estudos para implantação de uma parceria público privada na gestão de Ilha Grande, que seria a primeira unidade de conservação do país a adotar o modelo. Com isto, seria cobrada a entrada na ilha, até então gratuita, e maior controle do número de visitantes. Como você, gestor da Unidade de Conservação de Ilha Grande, vê essa iniciativa?

Sandro Muniz: Em primeiro lugar, é importante esclarecer que a “cobrança da entrada em Ilha Grande” é uma definição equivocada. O que defendemos é a implantação de um sistema denominado taxa de conservação, onde o recurso gerado é revertido em ações de proteção à biodiversidade, na implantação de estruturas de apoio ao visitante e em pagamentos justos aos colaboradores/prestadores de serviço – que são, em sua maioria moradores -, além da geração de receita para o operador. Ou seja: trata-se de uma proposta ecológica e econômica onde, todos – poder público, comunidade e iniciativa privada – saem ganhando, em função da manutenção  da qualidade ambiental da ilha. Isso é sustentabilidade. O que se pensa para a gestão da visitação na Ilha Grande não conflita com a cadeia produtiva já estabelecida hoje. O nosso objetivo é potencializar os serviços existentes como hospedagem, translado, passeios e etc. além da geração de empregos.

Qual a recepção dos moradores a este possível futuro modelo de gestão? E qual a relação do Parque Estadual da Ilha Grande com a comunidade local?

Os conflitos entre os moradores e o poder público datam de muitos e muitos anos. A desinformação e os interesses particulares de uma minoria acabam dificultando o entendimento de projetos e políticas públicas sérias que visam à melhoria da qualidade de vida dos moradores. Sobre o projeto da Parceria Público Privada (PPP), coordenado pelo Governo do Estado, criou-se um fantasma através de boatos infundados sobre uma possível privatização da Ilha Grande. Isto, atualmente, é praticamente impossível de se concretizar e inadmissível. Os órgãos de controle e a própria sociedade atuam de forma implacável. O patrimônio ambiental não pode ser privatizado. Está na Constituição. A população local só tem a ganhar com a melhoria dos serviços de apoio à visitação. Mas, para isso, é preciso fazer diferente e a parceria entre o poder público e o privado é a saída.

A relação do parque com a comunidade local é boa, mas como em qualquer outro lugar onde o poder público precisa regular o uso e os possíveis impactos em uma determinada região, é comum termos conflitos diversos. E, da nossa parte, do poder público, isso tende a melhorar se considerarmos as novas tendências da política e o amadurecimento dessa relação entre sociedade e poder público. Não há mais espaço para divergências ou cabo de guerra. A sociedade tem que cobrar sim, mas é hora de acreditarmos que é possível deixar o governo atuar. Não há outra maneira. Estamos perdendo tempo e grandes oportunidades.

Hoje, já existe algum mecanismo de controle do número de visitantes para evitar a superlotação da ilha?

Nem o Estado, nem os moradores ou frequentadores da Ilha Grande querem ver esse paraíso virar um caos. Para assegurar que a Ilha Grande continuará sendo esse lugar lindo, conhecido e apreciado por pessoas do mundo todo, é indispensável que se tenha um controle dessa visitação, não só para a manutenção da qualidade ambiental, mas também para a segurança das próprias pessoas. Esse controle é feito há algum tempo pelos órgãos locais e até mesmo estaduais. De certa maneira, os moradores e visitantes conscientes já se habituaram a esta necessidade. No entanto, é preciso uma proposta eficiente e integrada. Se perdermos o controle sobre o avanço indiscriminado na Ilha Grande, certamente o quadro será irreversível. A gestão da visitação é a maior estratégia de conservação e geração de receita nos mais bem sucedidos parques do mundo. É melhorando a qualidade da visitação que se agrega valor aos produtos e subprodutos da região. A beleza e toda a riqueza da Ilha Grande são bens do povo, da coletividade e nós sabemos que é preciso preservar esse patrimônio.

Quais os principais desafios e conquistas ao longo da sua gestão no Parque Estadual da Ilha Grande?

Existem vários desafios, como o ordenamento turístico — entendendo ordenamento como uma forma de gestão do uso público para que possamos ter uma melhor qualidade na experiência da visitação e um ambiente preservado para as comunidades locais e para os outros seres vivos. É também ter estruturas e equipamentos de suporte ao uso público, melhorar a comunicação com o visitante; aumentar o número de atividades com a comunidade do entorno; aumentar as atividades de educação ambiental; a incorporação das Unidades de Conservação pela comunidade; caça; crescimento desordenado do entorno; e a presença de uma grande quantidade de espécies exóticas invasoras na Unidade de Conservação da Ilha Grande. E a falta de funcionários, uma dificuldade comum em todas as Unidades de Conservação do Brasil.

Em relação às conquistas, elas vão desde um sorriso de uma criança na rua que já participou de alguma ação do Parque Estadual da Ilha Grande à proibição em definitivo do lançamento de resíduos sólidos dentro dos limites do parque. Este caso é simbólico, pois há muito tempo as prefeituras jogavam o “lixo “ de poda e varrição de folhas de rua dentro da Unidade de Conservação, mas após algumas ações e reuniões conseguimos esgotar este crime. A varrição de rua levava junto com as folhas das plantas diversos micro lixos (tampinhas de garrafas, filtro de cigarro, latas, vidros). Além disso, diversas das plantas de poda são invasoras, deste modo, durante anos foram criadas áreas de dispersão de espécies invasoras em alguns pontos do PEIG.

Outra vitória foi a reativação do viveiro de mudas nativas, e o projeto de doação de mudas, pois não basta você punir o corte de árvores sem autorização, também é necessário ensinar sobre as plantas nativas para uma arborização adequada.

A feira de troca de livros que criamos também foi uma conquista importante, pois fornece acesso a publicações de todos os locais do mundo em diversos idiomas. Acredito que as Unidades de Conservação devem ser uma unidade de transformação.

Outra alegria é a nossa Semana do Ambiente Inteiro, com ações que vão de plantio de mudas nativas à concurso de desenho na escola, e que cresce a cada ano. Este ano houve a participação de mais de 800 pessoas. Parece pouco se comparado a um parque urbano, mas para nossas características insulares e de escassez de funcionários, é fantástico. Tivemos o apoio da sociedade e de diversas empresas do entorno, assim como da associação de moradores. E isso também podemos dizer que é uma vitória, a grande participação da sociedade.Queremos ouvir e agir em conjunto com a sociedade. Sabemos que os desafios são grandes, mas nossa equipe, por menor que seja, é dedicada e tem entrega à causa ambiental, e essas conquistas nos motivam a fazer um trabalho cada vez melhor.

Qual a importância de projetos de pesquisa em Unidades de Conservação em nome da preservação dessas áreas? Existe algum tipo de incentivo, em Ilha Grande, para pesquisadores e até mesmo iniciativas de visitas escolares?

Acredito que o Parque Estadual da Ilha Grande deve ser o parque estadual com o maior número de pesquisas acontecendo atualmente. As pesquisas aqui vão desde uma espécie específica, como a rã-de-fred (Hylodes fredi), endêmica da Ilha Grande, até estudos antropológicos. Temos também o RAPELD (metodologia de avaliações rápidas e pesquisas de longa duração), com dois módulos permanentes de pesquisas de longa duração, que ajudará a dar um salto qualitativo e quantitativo nas pesquisas sobre biodiversidade e ecologia do Estado do Rio de Janeiro, um projeto encabeçado pela UERJ – que tem uma base dentro do PEIG em Dois Rios. Os módulos estão dentro do PEIG e da Reserva Biológica Estadual da Praia do Sul. Os incentivos que damos são na base de apoios. Temos alojamentos na Vila do Abraão e na Vila do Aventureiro, ambos são muito usados pelos pesquisadores durante o ano todo, e sempre que possível ajudamos no transporte por mar e terra, e acompanhamos alguns pesquisadores quando é necessário.

Também apoiamos a visita escolar. Aliás, o parque já é o quintal da escola. A escola da Vila do Abraão está dentro do Parque! Ano passado trouxemos uma turma de uma escola pública do “continente” para um passeio guiado dentro do PEIG. Nosso objetivo é que todas as escolas de Angra dos Reis conheçam as Unidades de Conservação da Ilha Grande.

A equipe do Wikiparques agradece a entrevista, Sandro! E você, Caro Leitor, continue atento ao Blog e ao Facebook do WikiParques para novidades e futuras entrevistas com os gestores das nossas áreas protegidas.

 

 

 

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