Com a palavra: Klinton Senra, gestor da Estação Ecológica da Guanabara


Klinton Vieira Senra, gestor da Estação Ecológica da Guanabara. Foto: Daniele Bragança
Klinton Vieira Senra, gestor da Estação Ecológica da Guanabara. Foto: Daniele Bragança

Há 10 anos foi criada a Estação Ecológica (ESEC) da Guanabara, uma área de proteção integral que nasceu dentro da Área de Preservação Ambiental (APA) de Guapi-Mirim, de uso sustentável. O objetivo era proteger a parte mais conservada do manguezal do último grande fragmento de mangue, que existe na Baía de Guanabara. Com aproximadamente 2 mil hectares, a unidade de conservação funciona de maneira totalmente integrada com a APA, numa simbiose que torna mais fácil o trabalho de proteger esse patrimônio.

“As duas unidades trabalham na forma de núcleo de gestão integrada tanto do ponto de vista do compartilhamento de infraestrutura de pessoal, mas principalmente, e mais importante, da gestão territorial e ambiental”, explica o antropólogo Klinton Vieira Senra, chefe da Estação Ecológica há três anos.

Confira abaixo entrevista que o WikiParques fez com Klinton Vieira Senra:

Você poderia fazer um breve histórico da Esec da Guanabara?

Estação Ecológica da Guanabara. Foto: Sabrina Rodrigues
Estação Ecológica da Guanabara. Foto: Sabrina Rodrigues

Klinton Vieira: Aqui nós temos duas unidades de conservação federais: a Área de Proteção Ambiental Guapimirim e a Estação Ecológica (ESEC) da Guanabara, localizadas dentro da Baía da Guanabara, com foco na preservação dos mangues. A APA Guapimirim é a unidade mais antiga, criada em 1984.

Nessa época, o mangue estava sendo extremamente agredido nesta região. Ia ser totalmente destruído, seguindo um padrão de ocupação que, infelizmente, é comum ao redor da Baía: [a construção do] Aterro, de infraestruturas em cima dos manguezais. São nove milhões de pessoas vivendo aqui em volta, para se ter uma ideia da pressão. Um grupo de pessoas que já se preocupava com essa questão, e queria preservar essa última área de mangue.

E é um caso muito bem-sucedido, porque depois de criada a unidade, a agressão sobre o mangue foi “estancada”. Ele se recuperou de forma natural e hoje temos o maior fragmento de mangue do Estado do Rio de Janeiro, um tesouro que está dentro da Baía da Guanabara. Uma faixa contínua de mangue entre 5.500 e 6.000 hectares que presta um enorme serviço ambiental para a região,, apesar de toda a degradação e imagem negativa da Baía.

Em 2006 foi criada a Estação Ecológica da Guanabara, que completa 10 anos este ano. Ela está inserida no território da APA, mas ela é uma unidade diferente, de proteção integral que fica no núcleo, no coração do mangue mais conservado. A estratégia foi ampliar o grau de proteção sobre essa área do mangue, o último grande fragmento existente na Baía.

A ESEC tem aproximadamente 2.000 hectares de manguezal em estágio bastante avançado de conservação. As duas unidades trabalham na forma de núcleo de gestão integrada, tanto do ponto de vista do compartilhamento de infraestrutura de pessoal, quanto da gestão territorial e ambiental.

Como é a relação da Estação Ecológica com a comunidade local?  Há participação comunitária?

Mangues preservados da Estação Ecológica da Guanabara. Foto: Sabrina Rodrigues
Mangues preservados da Estação Ecológica da Guanabara. Foto: Sabrina Rodrigues

Houve uma participação no processo de criação da unidade, mas ainda há conflitos quanto a área. É uma unidade de proteção integral, mas as pessoas ainda insistem em pescar dentro dela. Mesmo assim a gente percebe que, paulatinamente, os pescadores passam a entender o processo: se as unidades não fossem criadas, eles não teriam nem mais o que fazer aqui. Não existiria mais nada, nem peixes, nem caranguejos.

Aos poucos, conseguimos retirar essa atividade de coleta de dentro da área da Estação. Mas não é chegar do dia para a noite e falar “Agora, ninguém pode entrar aqui”.  Porque isso criaria um conflito e prejudicaria um setor da população, que é o mais prejudicado pelas condições ambientais da Baía. Construímos um acordo com eles para reduzir o nível de exploração dentro da Estação Ecológica e dentro da APA. Lá a pesca e a coleta de caranguejo não só são permitidas como também incentivadas. O objetivo da APA é manter a forma sustentável desses recursos.

Hoje há também o reflorestamento de mangues. Temos mais de 100 hectares de mangues plantados através de diversas iniciativas. Uma delas é a Cooperativa dos Pescadores Manguezal Fluminense  especializada no replantio de mangue. A atividade  abre novas áreas dentro da APA que poderão ser utilizadas pelos pescadores e catadores de caranguejos e, obviamente, auxiliarão na recuperação desse ambiente.

É muito importante que a sociedade entenda a importância da preservação do ecossistema manguezal, que é um ecossistema que foi negligenciado durante séculos pela nossa sociedade, que via no mangue um lugar para ser aterrado e escondido. O mangue sofreu demais com o crescimento da população da cidade.

É no mangue que se reproduzem grande parte das espécies, é ele que protege a costa, faz estoque de carbono, faz filtro biológico. É um ecossistema muito produtivo do ponto de vista biológico, orgânico. É inacreditável o nível de utilidade desse ecossistema.

Botos cinza na área correspondente à APA Guapi-Mirim. Foto: Sabrina Rodrigues
Botos cinza na área correspondente à APA Guapi-Mirim. Foto: Sabrina Rodrigues

Você está aqui há três anos como gestor. Como você vê a evolução do ESEC da Guanabara? Quais os aspectos positivos e quais são os seus principais problemas e desafios?

A unidade tem história. Em dez anos, a unidade implantou o seu Plano de Manejo  e formou o seu Conselho Gestor. O Plano tem funcionado desde 2012 e graças a ele, conseguimos evitar boa parte dos impactos internos da área. O problema é o que está acontecendo em volta da unidade: um impacto de 9 milhões de pessoas, a maioria sem saneamento, em ocupação irregular graças a um crescimento urbano desordenado. Obras de infraestrutura próximas, como a Comperj e a duplicação de estradas também exercem uma pressão sobre a área protegida.

Você acha que tivemos avanços, no Brasil, quanto à política de proteção às unidades de conservação? De uma forma geral, quais são seus os desafios?

Eu acho inegável que tivemos grandes avanços, apesar das muitas deficiências que existem. Falando só do universo do ICMBio, temos hoje mais de 300 unidades de conservação. Quando entrei no Ministério do Meio Ambiente, em 2004, em termos de implementação das unidades, houve uma mudança total: a maioria das unidades não tinha Plano de Manejo, não tinha chefe, não tinha nada. Ainda tem muita coisa a ser feita, o ICMBio tem um orçamento muito pequeno.

O grande desafio, na verdade, é fazer com que a agenda ambiental faça parte da agenda maior do governo. Que se incorpore essa agenda como uma decisão estratégica, quando o Estado toma decisões de incorporar a dimensão ambiental. Isso é visto de forma muito arcaica no Brasil. Os países mais avançados claramente veem o seu patrimônio ambiental como um valor monetário. Não se conserva só por achar bonitinho, mas porque tem um valor para aquela sociedade, para aquele Estado.

Comunicação é outro grande desafio. A gente se comunica do jeito que consegue, com todas as ferramentas que têm à mão. Penso que se não conseguirmos fazer com que a sociedade conheça esse patrimônio, se identifique e lute por ele, não vai ser meia dúzia ou até mesmo 50 analistas, que irão conseguir manter esse espaço. Não podemos vai virar ilhas isoladas do resto da sociedade. Isso não funciona nem do ponto de vista social, nem do ponto de vista ecológico.

A equipe do Wikiparques agradece a entrevista, Klinton! E você,  Caro Leitor, continue atento ao blog e ao Facebook do WikiParques para novidades e futuras entrevistas com os gestores das nossas áreas protegidas.

 

 

Post navigation

Anterior

Próximo