Rastros na Caatinga: O começo


Vegetação de caatinga quando começa cair a folhagem. Foto: Joaquim Neto
Vegetação de Caatinga quando começa cair a folhagem. Foto: Joaquim Neto

Para quem gosta de fotografia, e principalmente da fotografia de natureza, o Sertão brasileiro é um ótimo ambiente para se capturar imagens sob uma luz única, gerando imagens colossais de seres adaptados a sobreviver em um ambiente considerado “hostil”, numa vastidão cinzenta conhecida na língua tupi como “mata branca”.

A Caatinga tem uma área de aproximadamente 850.000 km², o equivalente a 11% do território nacional, se estendendo pelos estados de Alagoas, Bahia, Ceará, Maranhão, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Piauí, Sergipe e o norte de Minas Gerais. Rico em biodiversidade, o bioma abriga 178 espécies de mamíferos, 591 aves, 177 répteis, 79 anfíbios, 241 peixes e 221 abelhas. Cerca de 27 milhões de pessoas vivem na região, a maioria carente e dependente dos recursos do bioma para sobreviver. A Caatinga tem um imenso potencial para a conservação de serviços ambientais, uso sustentável e bioprospecção, que, se bem explorada, será decisiva para o desenvolvimento da região e do país. A sua biodiversidade ampara diversas atividades econômicas voltadas para fins agrossilvopastoris e industriais, especialmente nos ramos farmacêutico, químico, de cosméticos e de alimentos.

Cascavel (Crotalus durissus). Foto: Joaquim Neto
Cascavel (Crotalus durissus). Foto: Joaquim Neto

Apesar da sua importância, nos últimos anos o bioma tem sido desmatado de forma acelerada. A exploração de forma ilegal e insustentável de lenha nativa para fins domésticos e indústrias e a conversão para pastagens e agricultura são as principais causas para o desmatamento da caatinga, que já chega a 46% da área do bioma segundo dados do Ministério do Meio Ambiente (MMA).

Para lutar contra o descaso e as agressões à biosfera da Caatinga, o Rastros na Caatinga tem o objetivo de, junto com o WikiParques, levar dicas e conhecimentos para pessoas que tenham interesse em se embrenhar na caatinga através da fotografia.

Este blog vai dar dicas de como percorrer a Caatinga com uma câmera na mão: entender suas luzes, suas composições e enquadramentos. Que tipo de material fotográfico colocar na mochila e o que levar para sobreviver na mata. Quais são as áreas protegidas mais legais para fotografar e quais animais e plantas você pode encontrar por lá.

O primeiro contato

Xique xique (Pilocereus gounellei). Foto: Joaquim Neto

Ao contrario do que se vê na mídia, a Caatinga é um bioma mágico. Só quem o conhece de perto sabe entender os mistérios dos viventes guerreiros na sequidão do Sertão brasileiro – aqueles que passam a maior parte do ano sem chuvas e sob um sol escaldante.

Para quem quiser se aventurar a fotografar espécies ainda pouco estudadas, a dica é viajar para o Parque Nacional da Serra da Capivara e para o Parque Nacional da Serra das Confusões, localizados na região sul do estado do Piauí. São mais de 800 mil hectares de florestas densas de Caatinga, com imensos paredões, cânions e vales que abrigam matas espinhentas e são habitadas por pessoas, animais e plantas unicamente brasileiras. É lá que se encontram os últimos maciços ainda em condições primitivas.

Além de um guia das áreas de conservação, neste bioma é imprescindível contratar um bom mateiro. Ele é aquele cara que sempre sobreviveu dentro das matas e será capaz de levar o visitante, em segurança, nas longas caminhadas para os lugares mais longínquos e selvagens do sertão. E saberá dar toda a orientação nas suas ciladas!

Em 2015, eu estava marcando uma viagem para fotografar uma área que é considerada o corredor ecológico entre os Parques Nacionais da Serra da Capivara e da Serra das Confusões. Alguns dias antes de viajar, fui a procurar do Sr. Manoel Antônio, um antigo maniçobeiro – trabalhador na extração do látex da maniçoba, planta nativa da caatinga -, por saber dar informações valiosas do que eu iria encontrar naquele lugar.

Caititu (Pecari tajacu). Foto: Joaquim Neto
Caititu (Pecari tajacu). Foto: Joaquim Neto

Depois de toda a conversa, explicações por onde eu deveria ter um melhor acesso, ele me falou para ter cuidado nos caiobas. Perguntei a seu Manoel: “O que é isso?” Ele deu risadas e me disse: “É o famoso caititu (Pecari tajacu), o porco-do-mato! Olhe, quando você ouvir barulho de porcos no mato, tenha cuidado… Procure logo uma arvore que dê pra você subir e espere passar, porque os caiobas quando vêm é de bando pra mais de 30, 40 atropelando tudo. E os bichos são valentes!”

Dito e feito! Na manhã do segundo dia, ao sair para mais uma caminhada a 75 km da cidade mais próxima São Raimundo Nonato, um lugar chamado Boqueirão do Mucambo, me lembrei da fala do Sr. Manoel. Ouvi barulhos de porcos fuçando, então subi em uma árvore segura, com mais dois companheiros que estavam comigo. Ficamos em silêncio e, a menos de 10 metros, passou aquele bando de “porcos-do-mato”, levantando poeira e quebrando galhos secos. Depois de sentir que a situação tinha passado, desci da arvore, peguei uma telescópica de 300 mm/4.0 f e consegui capturar algumas imagens dos porcos que vinham desgarrados do bando maior.

Caititu (Pecari tajacu). Foto: Joaquim Neto
Caititu (Pecari tajacu). Foto: Joaquim Neto

Já pensou se nos pegam de surpresa, desprevenidos, sem as orientações de Sr. Manoel?

Por isso, sempre é bom estudar e ter um primeiro contato com pessoas acostumadas com cada tipo de ambiente, ao sair pra fotografar em áreas selvagens.

Fiquem atentos a uma série de postagens sobre o convívio da fotografia e da Caatinga brasileira.

 

 

 

Post navigation

Anterior

Próximo