Coluna: Quantidade versus Qualidade na visitação em UCs


Leticia e Dennis são um casal que está realizando uma expedição por todos os 74 parques nacionais brasileiros. Além de vivenciar as belezas, a história e a cultura de nosso país, eles estão divulgando as experiências (@entreparquesbr) para que mais pessoas conheçam os parques, gerando maior conexão com a natureza. Acreditam que somente conservamos o que conhecemos. Ela é psicóloga clínica junguiana e tem 37 anos. Ele é economista, ex-bancário, e tem 42 anos. Estão casados há quatro anos e já visitaram mais de 40 unidades de conservação no Brasil e no exterior.


Em abril, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) divulgou os números de visitação a unidades de conservação (UCs) federais. Em uma análise rápida, pelos totais, é possível concluir que em 2021 houve um recorde de visitas aos parques federais. No entanto, esse número não é comparável aos dados históricos. Logo, precisamos realizar alguns ajustes para garantir uma comparabilidade.

Com informações abertas ao público desde 2017, o Painel Dinâmico é um ferramenta em formato de PowerBI que permite que sejam feitas análises dos dados de visitação a UCs federais. Os dados brutos indicam que em 2021 tivemos 16,7 milhões de visitantes: 80,7% a mais que 2020, e 9,1% a mais que 2019. No entanto, apenas em 2020 a Área de Proteção (APA) da Baleia Franca, em Santa Catarina, teve seus indicadores de visitação incluídos nas estatísticas. Essa unidade por si só representou 36% e 42% da visitação a UCs federais em 2020 e 2021, respectivamente, criando um viés na análise do número total, já que até 2019 ela não havia sido contabilizada.

Para permitir comparabilidade histórica é necessário expurgar os dados da APA Baleia Franca dos números. Sem ela, a visitação a unidades federais em 2021 cai para 9,7 milhões: 63,6% a mais que 2020 e 36,8% a menos que 2019. Se considerados somente os Parques Nacionais, em 2021 tivemos pouco menos de 7 milhões de visitantes: 57,1% a mais que em 2020 e 28,4% a menos que em 2019, ano que ainda representa o recorde nessa categoria.

Logo, podemos inferir que em 2020 ainda houve impactos da pandemia, tendo em vista que o nível de visitação observado em 2019 ainda não foi recuperado. Em 2021 a visitação aumentou substancialmente, já recuperando parte do efeito da pandemia.

Hoje, tendo percorrido 24 parques nacionais e conversado com gestores, guias, trabalhadores de hotéis, pousadas, campings, restaurantes e lanchonetes, não encontramos um consenso sobre a sustentabilidade nos aumentos na visitação pós-pandemia. Enquanto alguns acreditam que os maiores níveis de visitação vieram para ficar — os turistas estariam redescobrindo o país e suas belezas naturais, valorizando a cultura e biodiversidade –, outros afirmam que não é o caso. Para este grupo, o aumento se deveu a uma situação única: alguns turistas teriam conciliado as maiores restrições para visitação a cidades ao desejo pontual de realizar atividades ao ar livre para conhecer UCs, mas agora teriam voltado a viajar para outros destinos.

Painel "Visitantes a UCs federais"
Fonte: Visitação nas Unidades de Conservação (2000-2021) Detalhamento – COEST/CGEUP; ICMBio/MMA; acessado em 18/05/2022 às 9h54

Considerações qualitativas

Os indicadores de 2022 nos ajudarão a entender se e onde o crescimento foi sustentado. A inclusão de dados de visitação da APA Baleia Franca mostra que quanto mais informações tivermos, mais dados para a gestão da unidade de conservação, para eventuais concessões e, principalmente, para desenvolvimento da infraestrutura no entorno. Ainda há muita defasagem nos números, pouca abertura, mas a disponibilidade dos mesmos é um grande passo para permitir análises que levem em conta a qualidade.

No entanto, pouco ou quase nada se fala sobre o assunto. Acreditamos que esse é um passo importante para permitir que as unidades de conservação federais cumpram seu papel não somente na visitação e turismo ecológico, mas também na educação e interpretação ambiental.

Em Parques Nacionais como Itatiaia, Serra dos Órgãos, Chapada dos Veadeiros, onde é permitido o pernoite, os visitantes são contabilizados uma única vez. Ao fazer a travessia de Petrópolis x Teresópolis em três dias, por exemplo, cada visitante conta como um único. É preciso ter um critério claro de contabilização que permita manter dados históricos e garantir a comparabilidade. Devemos discutir como agregar esse tipo de visão qualitativa.

Um visitante que passa algumas horas em um parque sairá de lá com uma visão menos aprofundada que alguém que passará ali a noite, montar sua barraca, ver o nascer do sol, preparar sua comida e gerir seu lixo. Experiências mais duradouras deveriam não somente ser mensuradas de forma diferente, mas também mais incentivadas: elas promovem educação ambiental, maiores benefícios em termos de bem estar, e potencializam o desenvolvimento econômico com maior intensidade.

Todos os visitantes são bem vindos e importantes, mas precisamos saber quem visita as UCs, o que cada um procura, o que encontra, a opinião sobre estas áreas e os guias após visitá-las. Somente com indicadores de qualidade aliados aos de quantidade, de forma comparável e com critérios claros, saberemos se e como os objetivos das unidades de conservação e expectativas dos visitantes poderão ser cumpridos.

Post navigation

Anterior

Próximo