Coluna: Uma conservação feita Entre Parques


Leticia e Dennis são um casal que está realizando uma expedição por todos os 74 parques nacionais brasileiros. Além de vivenciar as belezas, a história e a cultura de nosso país, eles estão divulgando as experiências (@entreparquesbr) para que mais pessoas conheçam os parques, gerando maior conexão com a natureza. Acreditam que somente conservamos o que conhecemos. Ela é psicóloga clínica junguiana e tem 37 anos. Ele é economista, ex-bancário, e tem 42 anos. Estão casados há quatro anos e já visitaram mais de 40 unidades de conservação no Brasil e no exterior.


Abertos ao inesperado e, principalmente, engajados na causa da Conservação, nós interrompemos nossas carreiras — uma psicóloga clínica e um economista do mercado financeiro — para nos dedicar a visitar e documentar todos os 74 parques nacionais brasileiros. Nossa expedição começou no Dia Mundial do Meio Ambiente, em 05 de junho de 2021, e não foi por acaso. Este passeio turístico pelos parques nacionais brasileiros tem como objetivo final a conservação.

Foram três anos de preparação. Três meses dedicados inteiramente à pesquisas, contatos e planejamento. Nós sabíamos que era necessário conhecer para conservar. Como víamos uma urgência na conservação, decidimos conhecer essas áreas protegidas com nossos próprios sentidos. Escolhemos os parques nacionais, porque são as unidades de conservação de proteção integral que permitem turismo ecológico. Na categoria de unidade de conservação onde encontra-se a maior preservação, estão as unidades que podem ser visitadas pelo público em geral.

Aquele 05 de junho também marcou o início da Década de Restauração de Ecossistemas das Nações Unidas. Quando começamos, pouco sabíamos sobre uso público, espécies invasoras, manejo integrado do fogo, regularização fundiária, entre tantos assuntos que aprendemos e discutimos hoje. Sabíamos que cada parque tinha sua identidade, mas não entendíamos a relação entre eles e tampouco a relação de cada um deles com seu entorno.

Foto: Acervo Entre Parques
Foto: Acervo Entre Parques

Logo aprendemos que todos os parques nacionais sofrem ameaças e correm riscos constantes: incêndios criminosos, caça, pesca, extrativismo, garimpo, invasões e até desafetação. Por outro lado, também vimos que quase todos os parques nacionais contam com guardiões, geralmente pessoas conhecidas localmente, que trabalham dia e noite na conservação. A conservação é hoje uma resistência liderada pela sociedade civil, que tem tomado para si este importante papel, à medida que o ICMBio e o IBAMA vêm sendo desaparelhados.

Passado quase um ano, hoje encaramos nossa expedição como um especialização em Natureza e Conservação. Em cada parque que visitamos, passamos quinze dias — o que não é suficiente — para entender sua história, sua relação com o entorno, o quê visitar, quais as espécies endêmicas, as belezas e os entraves. Os sábios naturalistas do passado realizavam suas viagens a natureza e, ao retornar, aprofundavam suas pesquisas com as informações coletadas, enriquecendo estudos e teorias a favor da Conservação. Em nossas viagens, nos inspiramos neles, porém, diferente daquele momento, a devastação hoje ocorre a olhos vistos. Não há tempo para finalizar a expedição e somente aí começar a atuar.

Acreditamos que o papel da sociedade civil é primordial e crescente na Conservação. Os parques nacionais são uma oportunidade para que todos tenham um papel ativo na conservação, tanto aqueles que vivem ao redor delas quanto aqueles que vivem nas grandes cidades, e desconhecem sua importância e função para a sobrevivência humana. Para quem está perto, os parques são a oportunidade de exercer atividades profissionais e se dedicar integralmente a elas, desempenhando, direta ou indiretamente, funções de conservação. Para quem vive mais longe deles, a contribuição se dá pela visitação que direciona recursos, dá maior visibilidade, cria conexões afetivas. A visitação permite que os visitantes aprendam com o mundo natural e entendam sua responsabilidade na gestão de recursos, e aplicar esses aprendizados quando voltam para suas casas.

Foto: Acervo Entre Parques
Foto: Acervo Entre Parques

Em nossas visitas aos parques, temos visto que sempre que a sociedade civil exerce um papel ativo, a conservação e todo o ciclo econômico e de bem estar é beneficiado. No entanto, cada dia é mais raro encontrarmos e sermos agentes ativos. Há sempre a esperança de que “alguém” (governos, empresas, ONGs, vizinhos) esteja fazendo “algo” em nosso nome. Nos distanciamos a tal ponto do mundo natural que confiamos que grandes resoluções em conferências bastam em si e não requerem atuação individual.

O uso público é um instrumento através do qual podem ser desenvolvidas atividades de educação e interpretação ambiental, recreação em contato com a natureza e turismo ecológico, tal qual pressupõe a Lei do SNUC.

Os objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS) e os resultados da COP-26 são exemplos de como estamos passivos. São dezessete objetivos mas poucas pessoas apropriam deles e buscam atuar diretamente. As resoluções da COP-26 falam de US$100 bilhões para adaptação de países em desenvolvimento, cooperação e transparência. Mas nada disso é suficiente se nós não reduzirmos nosso consumo de carbono e metano, por exemplo.

Foto: Acervo Entre Parques
Foto: Acervo Entre Parques

A soma de passividade, de esperar que o outro faça algo, nos levará a um cenário ainda mais crítico, seja nas ODS, na luta pelo teto de aquecimento de 1,5º C ou na conservação dos nossos parques nacionais. Muito pouco do que vem sendo definido desde a Conferência de Estocolmo de 1972 foi colocado em prática. Desde então, a população mundial cresceu 108% e o PIB mundial cresceu cerca de 350% . Nossos recursos estão cada vez mais escassos e o Dia da Sobrecarga da Terra chega a cada ano mais cedo. Isso significa que estamos consumindo muito mais do que poderíamos, às custas do nosso futuro.

Fica o nosso convite: não espere dos outros, faça você mesmo. Se não souber o que fazer, procure conhecer o que é o mundo natural e sua fragilidade. Se não puder fazer uma expedição, procure tirar férias em uma unidade de conservação. Se não tiver férias, visite um parque municipal no final de semana, se dê a chance de desligar o telefone e observar o mundo natural. Se não puder ir até um parque municipal, observe as fases da lua, a variação da inclinação do sol, entenda de onde vem a água que você bebe e para onde vai tudo o que sai pelo ralo da sua casa.

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