Com a palavra: Deborah Castro, gestora do Núcleo de Gestão Integrada do Trombetas


Deborah Castro, gestora do Núcleo de Gestão Integrada do Rio Trombetas. Foto: Marcio Isensee e Sá

Aprovada no concurso do ICMBio em 2014, a analista ambiental Deborah Jane Lima de Castro já foi testada em postos da autarquia localizados em Itaituba e Santarém, no Pará. Talvez por isso, ela tenha encarado com tranquilidade sua ida para chefiar o Núcleo de Gestão Integrada ICMBio Trombetas, em junho de 2018, onde gerencia duas unidades de conservação: a Reserva Biológica do Rio Trombetas (PA) e a Floresta Nacional Saracá-Taquera (PA).

Juntas, as unidades de conservação cobrem cerca de 850 mil de hectares do bioma amazônico. Não bastasse a extensão territorial, o principal desafio da gestora é conciliar os objetivos das 2 unidades com a sobreposição de dois territórios quilombolas que cortam parte das unidades de conservação, principalmente no que diz respeito à reserva biológica, onde, teoricamente, não poderia existir população humana dentro da área.   

Leia a entrevista completa que o WikiParques fez com a gestora:

WikiParques: Como funciona administrar duas unidades ao mesmo tempo?

Deborah de Castro: Desde 2003 a gestão funciona de maneira integrada, quando passou a ter um chefe para as duas unidades. E a partir de janeiro do ano passado isso passou a ser reconhecida formalmente como uma unidade diferencial integrada, onde tantos os servidores como os bens e os recursos pertencem às duas unidades. Nós temos aqui uma situação um pouco diferenciada da maioria das unidades daqui da Amazônia. Por conta de um termo de compromisso que nós temos com a empresa de mineração que trabalha dentro da Flona [Mineração Rio do Norte /MRN], nós temos a possibilidade de contratar uma equipe de pessoas que nos auxiliam: o pessoal do administrativo, os agentes ambientais, os motoristas. Do ponto de vista do recurso humano, a situação desse núcleo é mais confortável que o padrão da região.

É um desafio muito grande fazer a gestão de uma unidade de conservação, duas é um desafio em dobro. Temos na Floresta Nacional Saracá-Taquera essa grande empresa de mineração que faz extração de bauxita e duas empresas de concessão florestal. Também temos algumas comunidades tradicionais que vivem na região do sul da Flona [floresta nacional]. Há dois territórios quilombolas sobrepostos à parte da Flona Saracá-Taquera: o Território Quilombola Alto Trombetas 1 e Alto Trombetas 2. E esses dois territórios também se sobrepõem parcialmente à área da Reserva Biológica Rio Trombetas, que é uma unidade de conservação de proteção integral. Por causa desse contexto de sobreposição desses territórios quilombolas, a gente tem o uso tradicional dos recursos na Rebio [reserva biológica]: há a coleta tradicional de castanha pelas comunidades da região e a tem também o desafio relativo à conservação dos quelônios.

Como assim desafio?

O objetivo principal da criação da Reserva Biológica do Rio Trombetas é a preservação e a conservação dos quelônios do Rio Trombetas, especificamente, a tartaruga-da-amazônia. Então, desde que a Rebio foi criada, à época o IBDF [Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal], depois o Ibama, e hoje o ICMBio, sempre foi empenhado muitos esforços de todos que já passaram por aqui para a preservação desses animais.

Quando a Rebio foi criada, havia relatos, à época, de que a região era conhecida por ter o maior número de tartarugas-da-amazônia desovando por aqui. Chegava a ser observado aproximadamente 8 mil fêmeas desovando nos tabuleiros do rio Trombetas. Esse foi o motivo principal que ensejou na criação da unidade. Hoje, temos, em média, 600 fêmeas desovando nos tabuleiros. Ao longo desses quase 40 anos, foi uma redução muito drástica da população de tartarugas aqui da região.

Foto: Marcio Isensee e Sá

O que mais impacta as tartarugas?

Os quelônios são culturalmente apreciados na culinária local. Então, há essa pressão do consumo. Mas o que de fato impacta mais a população de quelônios é a comercialização ilegal e o tráfego de embarcações, não só dos navios de grande porte que trafegam na região de Porto Trombetas e que fazem o transporte de combustível e de bauxita, mas também o tráfego de embarcações para cima, os barcos que levam pessoas para as comunidades, porque na época da reprodução o rio fica muito baixo e os barcos passam muito próximos das praias. A iluminação nas praias afugenta os animais. Ao se aproximar uma embarcação, as tartarugas se afugentam e isso dificulta a reprodução delas. Então, hoje, a principal pressão em cima desse grupo é o tráfego de embarcações e o comércio ilegal desses animais que abastece principalmente as sedes municipais próximas, como Oriximiná e Santarém.

Qual das unidades demanda mais atenção?

As duas unidades demandam bastante atenção. Na verdade, não tem como dizer: “Uma precisa mais, outra precisa menos”. A gente empenha mais esforços dentro da Rebio, é verdade. O que mais consome nosso tempo de trabalho hoje são as atividades relativas ao Projeto dos Quelônios do Rio Trombetas (PQT), pois possuem várias atividades, uma temporada de 5, 6 meses no 2º semestre. Temos um gasto muito grande, um esforço muito grande, tanto humano quanto financeiro, para fazer o projeto acontecer: fiscalização, manejo, a parte de conservação, educação ambiental, programa de voluntariado dentro do PQT. E no 1º semestre, aqui na Rebio, temos a safra da castanhas que funciona através de um Termo de Compromisso assinado pela comunidade. Essas duas atividades demandam muito tempo da gestão.

Como funciona esse Termo de Compromisso?

O termo de compromisso da castanha é assinado entre o ICMBio e as associações representantes das comunidades, que se comprometem com uma série de condutas para ficarem no interior da reserva, como não caçar, não abandonar lixo, não abrir novas áreas para fazer roçado. E o ICMBio também se compromete com essas associações de permitir que vão lá, que coletem a castanha e comercializem esses produtos. Nisso, o órgão reconhece a tradicionalidade e a necessidade que essa população tem de usar esse recurso que está no interior da reserva biológica. Também reconhecemos que, apesar de ser uma reserva biológica, o que em teoria não poderia ninguém morar ou usar de nenhuma forma o recurso, como temos essa sobreposição com território quilombola, e essas comunidades quilombolas têm essa tradicionalidade e a dependência desse recurso, a gente tem esse instrumento que permite fazer essa conciliação de interesses e pensar uma solução final para o problema.

E a demanda da Floresta Nacional?

Na gestão da Floresta Nacional, como já mencionei, temos a exploração minerária de bauxita e a concessão florestal e essas atividades exigem atenção redobrada nos processos de licenciamento e nas vistorias.  Acompanhar essas atividades, monitorar as condicionantes, saber se elas estão sendo cumpridas, faz parte do trabalho. E também como temos essa parte da sobreposição com as comunidades quilombolas na Flona, nosso trabalho também é atender as demandas das comunidades.

Foto: Marcio Isensse e Sá

É comum as unidades de conservação da Amazônia sofrerem um processo de invasão. Algo assim ocorre na Reserva biológica ou na Floresta Nacional?

Bom, na Rebio, do outro lado do rio Trombetas, temos a comunidade do Ajudante. Nós chamamos de comunidade, mas se trata de uma invasão. Já temos alguns processos judiciais e ações para tentar reaver a área.

Esse território foi tomado há muitos anos por uma migração de pessoas em busca de empregos na região, principalmente de empregos na mineradora. Eles já estão há alguns anos e não é tão simples resolver. Teria que remanejar essas pessoas, teria que ter um local, não pode simplesmente tirar eles de lá. Além disso, temos problemas com o retorno de quilombolas que se foram e agora voltam por causa do reconhecimento do seu território. Durante anos, por causa da legislação que era posta e também pela forma como se portavam os órgãos ambientais, as pessoas que moravam na Rebio acabavam saindo de dentro da Rebio, indo para outros lugares e hoje a gente vê um cenário diferente. Muito dessas pessoas que foram embora, às vezes, há dez, vinte anos, para outras cidades, para outros estados, hoje, devido às condições de vida, elas estão fazendo o caminho inverso e estão retornando. Por conta da crise e por conta dos direitos que estão sendo devidamente reconhecidos, eles se sentem mais seguros agora, acabam retornando e isso está ocasionando uma invasão mais recente em algumas dessas áreas. E aí a gente tem que fazer um trabalho muito cuidadoso, muito criterioso para identificar de fato o que seria invasão e o que seria retorno, afinal, essas pessoas pertencem à mesma comunidade, às mesmas famílias e têm esse direito de estar retornando às suas origens.

Quantos servidores trabalham no Núcleo Integrado?

Nós estamos com 4 servidores, sendo que nenhum servidor é lotado aqui em Trombetas. Temos a chefia, a coordenadora de proteção e coordenadora de pesquisa e monitoramento, e um servidor em exercício provisório, que é de outro órgão federal e está assumindo a coordenação de licenciamento e concessão florestal. E temos 23 funcionários contratados que trabalham conosco. São funcionários terceirizados, motorista, comandante da embarcação, auxiliar administrativo, assistente administrativo e os agentes ambientais. Os 23 funcionários contratados são pagos através do termo de compromisso com a mineração.

Existem 3 bases no interior da Rebio e uma base no interior da Flona. Temos um grupo de agentes ambientais que ficam nessas bases e ajudam nesse monitoramento das coisas que estão acontecendo no interior das unidades. A gente não poderia, com 4 servidores apenas, entrar nas unidades e fazer esse tipo de acompanhamento.

Muita coisa que conseguimos fazer hoje é graças às parcerias que temos, porque não temos muito recurso orçamentário. Graças ao termo de compromisso com a Mineração Rio do Norte, renovado anualmente, podemos contratar os 23 agentes ambientais, essenciais para o funcionamento das unidades. Também contamos com a parceria com o Áreas Protegidas da Amazônia, o ARPA, que é gerenciado pelo FUNBIO e que é fundamental para a gente fazer a gestão da unidade. Mais recentemente, fizemos uma parceria com o IPÊ dentro do Projeto Quelônios do Rio Trombetas. Então essas parcerias são o que de fato permitem a gente gerir essas unidades. Hoje, o que temos de recurso orçamentário é basicamente para pagar servidores, material de escritório, limpeza, contrato de internet e combustível, e mesmo assim não cobre todo o combustível que a gente utiliza. Quando a gente precisa fazer a reunião do conselho, a reunião do projeto quelônios ou fiscalização, utilizamos essas parcerias para poder fazer a gestão. Temos uma demanda muito grande de trabalhos, de tarefas. Nós temos um corpo de servidores muito pequeno, porque mesmo com uma equipe de terceirizados que são essenciais para a gente trabalhar, nós precisamos de mais servidores, porque têm muitas coisas que só os servidores, os analistas ou os técnicos ambientais, podem fazer. Então, a gente precisa de mais pessoas para poder dar conta de gerir esse quase um milhão de hectares.

 

 

 

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