A nova primavera das Ilhas Cagarras


No último replantio, 50 mudas de espécies nativas foram plantadas no monumento natural. Foto: Mauricio Salles/Projeto Ilhas do Rio

Da praia de Copacabana, uma das mais turísticas do Rio de Janeiro, vê-se o arquipélago das Cagarras. Foi de lá que o barco partiu para a ilha, às 08h00 da manhã da última quarta-feira (23/01). Apesar do que os trajes de banho poderiam indicar, a equipe, formada por três biólogos e uma estagiária, tinha um trabalho árduo pela frente: este time do Projeto Ilhas do Rio é responsável pelo monitoramento de mudas nativas em uma iniciativa pioneira de restauração florestal insular. A ilha em questão era a Comprida, uma das que formam o arquipélago que em 2010 se transformou na primeira unidade de conservação marinha de proteção integral do estado fluminense, o Monumento Natural das Ilhas Cagarras (RJ).

Equipe faz o monitoramento das mudas. Foto: Duda Menegassi

A expedição foi a primeira visita de monitoramento do replantio, que ao longo de 1 ano acompanhará mensalmente as mudas recém-plantadas. O projeto de reflorestamento, que teve início em 2014, realizou dois grandes mutirões (o mais recente há cerca de um mês ) que plantaram um total de 350 mudas nativas, das quais hoje resistem 91.

O Monumento Natural das Ilhas Cagarras é composto por 4 ilhas principais: Redonda, Palmas, Comprida e a que dá nome ao arquipélago, a Cagarra. Nelas, a vegetação de Mata Atlântica é marcada por palmeiras, bromélias e orquídeas com aspecto semelhante à vegetação de restinga. A flora das ilhas despertou a atenção do botânico Massimo Bovini, pesquisador do Jardim Botânico do Rio de Janeiro que, em 2012,  iniciou o levantamento do inventário da flora insular. Apesar de estarem a apenas 5 km da orla, ninguém sabia as espécies que ocorriam no arquipélago.

Ao longo dos 3 anos de trabalho que fez em parceria com a equipe da área protegida, o botânico registrou 183 espécies de flora e constatou algo que os banhistas não conseguem ver da praia: a presença de uma planta invasora, o capim-colonião (Megathyrsus maximus). O invasor, uma espécie nativa da África, além de se espalhar rapidamente e não dar espaço para flora nativa, é um excelente combustível e aumenta consideravelmente o risco de incêndios na ilha.

“O capim-colonião é uma espécie exótica, invasora, muito agressiva. E ela é muito propícia a pegar fogo, além de acabar com a biodiversidade local”, conta Massimo. A preocupação do botânico e do Monumento Natural, se alinhou com a missão do Projeto Ilhas do Rio, e deu origem à iniciativa de restauração florestal, em 2014.

“Nós escolhemos a Ilha Comprida por ser a ilha de mais fácil acesso e, por coincidência, ser aquela em que o capim-colonião está mais avançado. Dentro da ilha, selecionamos uma área de 800 m² [cerca de 3% da área total da ilha], para começar esse projeto piloto, que é inédito no Rio de Janeiro”, explica o botânico. O trabalho começou com a remoção do capim na área, feito com roçadeira e com a queimada controlada da área. Também foi usada uma técnica de sombreamento do capim com uma lona preta, já que a invasora se favorece do sol.

Depois da eliminação do capim na área demarcada, veio o primeiro plantio de plantas nativas, ainda em 2014. Na época, foram plantadas 300 mudas, todas cultivadas a partir de sementes da própria ilha. Destas, 41 vingaram, algumas hoje com mais de 2 metros, que já se erguem acima do limite do capinzal.

Área do capim-colonião de onde já despontam as mudas maiores. Foto: Fred Cunha/Projeto Ilhas do Rio

Em dezembro do ano passado, mais 50 mudas foram plantadas, desta vez de quatro espécies nativas diferentes, entre elas a aroeira (Schinus terebinthifolius Raddi), comum na porção florestal da ilha Comprida. As novas mudas foram posicionadas ao redor das remanescentes do 1º plantio e distribuídas em 41 núcleos. A estratégia é conhecida como nucleação e tem como objetivo aumentar as chances das plantas novatas prosperarem.

“Uma vez que essas mudas se estabeleçam, atingindo uma altura de 1 metro e meio ou 2, elas começarão a formar núcleos densos espalhados no meio do capim e o capim começará a se afastar por causa do sombreamento, é natural. Isso facilita o retorno da fauna local que são principalmente os pássaros, como o tiê-sangue [Ramphocelus bresilius], que ocorre aqui na ilha”, conta Massimo. De acordo com o botânico, a expectativa é que as novas árvores funcionem como poleiros naturais para as aves, que elas façam ninhos e tragam sementes da floresta nas suas fezes. “Assim começa uma dinâmica natural de restabelecimento da floresta. Esses núcleos, além de trazer a fauna local, vão começar a encostar um no outro e isso vai formar um corredor. Isso tudo é uma rede. A gente quer isso”, conclui.

A iniciativa da recuperação da flora nativa é uma parceria do Projeto Ilhas do Rio, patrocinado pela Petrobras, com o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), órgão gestor da área protegida. A gestora do Monumento Natural das Ilhas Cagarras, Tatiana Ribeiro, acredita na importância do projeto para redução de espécies exóticas na área protegida. “Esse plantio é feito com essas espécies nativas que ao crescer começam a sombrear a área e é exatamente isso que impede que o capim se desenvolva, o sombreamento. É uma transição que é feita de forma mais natural. Esse projeto é bem importante para o papel da unidade de conservação porque ele nos ajuda na missão de proteger a biodiversidade local”, conta a chefe da área protegida.

Pesquisador nada em direção à ilha com equipamentos em mochila impermeável. Foto: Duda Menegassi

O desafio, como ressalta Massimo Bovini, ainda é muito grande. “Erradicar o capim não é fácil, é uma espécie muito agressiva, que espanta toda biodiversidade local e se beneficia com qualquer clareira. A logística também não é fácil, envolve um barco, as condições do mar. Aqui tem muita ressaca, muito vento, o desembarque na ilha exige que a gente nade e tudo isso sem poder molhar o material. Não parece, mas isso é um desafio. Por isso é um projeto pioneiro aqui no Rio, quiçá no Brasil”, reforça o botânico responsável pelo projeto, que acrescenta “É um projeto piloto. A gente vive de erro e acerto, e esperamos acertar a melhor metodologia, aquela que seja mais fácil e que dê melhor resultado”. O pesquisador acredita que a experiência adquirida permitirá a replicação do projeto, tanto nas outras áreas do monumento natural em que ocorre o capim-colonião quanto em outras ilhas com a presença do capim invasor.

A expectativa de Massimo é que daqui a 3 anos será possível ver um bom resultado na flora da ilha Comprida. Os banhistas de Ipanema e Copacabana, entretanto, irão precisar esperar um pouco mais para serem capazes de distinguir a floresta da areia. “Da praia, hoje a gente vê uma mancha clara do capim ainda. Eu acredito que daqui a uns 8 a 10 anos será possível ver a floresta, quando as árvores estarão maiores e mais adensadas”, prevê.

Uma palmeira jerivá, nativa, se destaca no meio do capim-colonião na ilha Comprida. Foto: Duda Menegassi

Exposição Interativa até domingo

Quem quiser saber mais sobre o Projeto Ilhas do Rio e sobre o Monumento Natural das Ilhas Cagarras (RJ) têm até este domingo (03/02) para conferir a Exposição Interativa do projeto no Forte de Copacabana. A exposição é gratuita, mas é cobrado ingresso para entrar na fortificação. A mostra traz fotos, informações sobre pesquisas, exemplares de espécimes que ocorrem no arquipélago e uma maquete do monumento natural.

A área protegida abrange 91,20 hectares, entre parte terrestre e marinha – um raio de 10 metros em torno de cada ilha e ilhote. As ilhas, além de remanescentes de Mata Atlântica, são importantes refúgios e ninhais de aves marinhas. A ilha Cagarra abriga um dos maiores ninhais de atobás-marrom (Sula leucogaster) do Brasil e a ilha Redonda, o maior de fragatas (Fregata magnificens) do Atlântico Sul, empatado com Refúgio de Vida Silvestre do Arquipélago de Alcatrazes (SP).

No final de semana haverá palestras sobre aves marinhas; baleias e golfinhos; o monitoramento da qualidade da água; e sobre o projeto de restauração florestal e a flora do arquipélago. Confira a programação completa aqui. A mostra está em exibição do dia 29 de janeiro a 3 de fevereiro, das 10h00 às 18h00, na Sala de Exposições Temporárias do Forte de Copacabana.

A ilha Cagarra, que dá nome ao arquipélago, é um importante ninhal de aves marinhas. Foto: Duda Menegassi

 

 

 

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