Se em tempos de Copa do Mundo o verde e amarelo domina as ruas do país, para os montanhistas a combinação da vez é outra: o amarelo e preto. Essas são as cores das pegadas que sinalizam e conectam as trilhas do país através do Sistema Brasileiro de Trilhas de Longo Curso. Já são 1.400 km sinalizados em menos de 2 anos. Uma contagem que aumenta a cada dia graças ao esforço de voluntários e servidores que abraçaram a ideia de multiplicar as pegadas Brasil afora.
As primeiras pegadas amarelas e pretas nasceram nos 180 km de extensão da Trilha Transcarioca (RJ), inaugurada em fevereiro de 2017 . Do berço carioca, as pegadas se espalharam pelo resto do país e contagiaram muitas outras, cada uma com sua identidade visual própria. Na última sexta-feira (29/06), vários representantes dessas trilhas de longo curso se reuniram no Museu do Amanhã para discutir o futuro com o tema Trilhas do Amanhã.
O Sistema de Trilhas está dividido em 4 eixos principais: o Corredor Litorâneo, um percurso de norte a sul do Brasil com mais de 8.000 km através do litoral; os Caminhos Coloniais, que seguem a rota estabelecida pela Coroa Portuguesa entre Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro com mais de 1.700 km de extensão; o Caminho dos Goyazes, com mais de 600 km que cruzam o estado de Goiás e o Distrito Federal; e os Caminhos do Peabiru, baseado no percurso histórico feito pelos indígenas Guarani entre o interior e o litoral do Paraná, com um trecho que passa por Santa Catarina, em um traçado de cerca de 1.000 km. Cada um desses eixos é dividido em trilhas menores, locais ou regionais, várias delas já implementadas.
Caminho de Cora Coralina
Parte da trilha dos Goyazes, em Goiás, o caminho foi inaugurado em abril deste ano. Seus 300 km unem caminhada e poesia em um roteiro que homenageia a poetisa goiana. O percurso foi abraçado pelo governo estadual e atualmente está em tramitação na Casa Civil um Projeto de Lei para criar um Sistema Estadual de Trilhas de Longo Curso de Goiás. O caminho cruza 8 municípios e 5 unidades de conservação: o Parque Estadual dos Pireneu (GO)s, o Parque Estadual do Jaraguá (GO), o Parque Municipal da Estrada Imperial (GO) e o Parque Estadual da Serra Dourada (GO).
De acordo com o gerente de projetos, pesquisas e produtos turísticos da Secretaria de Turismo de Goiás, João Bittencourt, atualmente 70% do caminho passa por estradas rurais, 19% está em trilhas e os outros 11% no asfalto. O traçado, entretanto, não é permanente. “A expectativa é que no futuro a gente consiga inverter este número, ter 70% do caminho em trilha e nada em asfalto”, explica Bittencourt.
Trilha Transmantiqueira
A ideia de uma travessia que percorra a crista da Serra da Mantiqueira não é nova, mas foi apenas em novembro do ano passado que esta trilha nasceu oficialmente. O percurso, que terá mais de 600 km, cruza as belas paisagens da serra entre os estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Atualmente, cerca de 100 km já estão sinalizados, e o coordenador-geral da trilha, Hugo de Castro, acredita que até o final do ano eles alcançarão a marca dos 400 km implementados.
Além da beleza cênica inquestionável do percurso que passa por parques como o do Itatiaia (RJ) e o da Serra do Papagaio (MG), a Transmantiqueira tem como objetivo se tornar uma ferramenta de gestão do território para garantir a proteção de trechos como a Serra Fina, popular destino de travessia que carece de infraestruturas de controle e apoio à visitação, ou mesmo a Chapada dos Perdizes, que não é protegida por nenhuma unidade de conservação.
Caminho das Araucárias
No sul do país, o Caminho conectará o Rio Grande do Sul à Santa Catarina, em um percurso marcado pela presença da árvore símbolo da região e dos cânions dos parques nacionais de Aparados da Serra (RS) e São Joaquim (SC). O trajeto, que faz parte do Corredor Litorâneo, já possui um total de 120 km sinalizados.
A abertura das trilhas foi uma conquista que veio junto com a abertura dos próprios parques que, como lembra o diretor de meio ambiente da Federação Gaúcha de Montanhismo, Nelson Brugger, anos atrás eram fortalezas fechadas à visitação. “Esses avanços só foram possíveis graças a uma mudança na orientação do ICMBio e da Secretaria de Meio Ambiente do Rio Grande do Sul”, explica o diretor, na qual os órgãos passaram a enxergar o uso público como algo positivo.
Rota de Charles Darwin
A caçula entre as trilhas de longo curso, a Rota de Charles Darwin refaz o caminho percorrido pelo naturalista britânico no município de Niterói, no estado do Rio de Janeiro. Dos 74 km do percurso, 10% já estão implementados, e os servidores do Parque Natural Municipal de Niterói (RJ) e do Parque Estadual da Serra da Tiririca (RJ) junto com voluntários estão a todo vapor na sinalização de novos trechos. A expectativa é de que, uma vez pronto, o roteiro possa se unir à Trilha Transcarioca (RJ) através das barcas que conectam os municípios de Niterói e Rio de Janeiro.
Caminhos da Serra do Mar
Diferente das demais trilhas, os Caminhos da Serra do Mar nasceram a partir de uma iniciativa do Parque Nacional da Serra dos Órgãos (RJ). A proposta dos 68 km que cruzam a unidade de conservação de uma ponta a outra é integrar os 4 municípios localizados no entorno do parque além de trazer o visitante para dentro do parque e torná-lo um aliado na fiscalização de áreas mais remotas da Serra dos Órgãos. A missão agora é ampliar o traçado em direção ao vizinho, o Parque Estadual dos Três Picos (RJ).
O Sistema Brasileiro de Trilhas de Longo Curso
Além das trilhas que se apresentaram durante o evento no Museu do Amanhã, há outras iniciativas que integram o Sistema Brasileiro de Trilhas: a Trilha Chico Mendes, na Reserva Extrativista Chico Mendes (AC), atualmente conta com 90 km implementados do que ainda deve se tornar um percurso de 300 km em plena Floresta Amazônica; e a Trilha Transespinhaço, que irá conectar a região metropolitana de Belo Horizonte com o município de Diamantina através da crista da Serra do Espinhaço, em Minas Gerais.
De acordo com o representante da Coordenação Geral de Uso Público do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Fábio França, o mais importante em todas estas iniciativas é que as trilhas sejam construídas de “baixo para cima”. “Não são as instituições, como o ICMBio, ou mesmo os parceiros, como a Conservação Internacional, que fazem a trilha acontecer e sim a sociedade civil, os voluntários que adotam a trilha”, ressalta. O reconhecimento na esfera pública, porém, é fundamental para fortalecer e dar subsídios às trilhas. Por isso, Fábio acredita que o próximo passo será instituir um ato normativo que estabeleça o Sistema Brasileiro de Trilhas de Longo Curso, aos moldes do Sistema Nacional de Trilhas dos Estados Unidos (US National Trails System), o que irá fornecer um instrumento legal para a gestão dos percursos.