Com a palavra: Gustavo Tomzhinski, gestor do Parque Nacional do Itatiaia


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Gustavo Tomzhinski, gestor do Parque Nacional do Itatiaia. Foto: Duda Menegassi

No último final de semana de outubro, o Parque Nacional do Itatiaia (RJ) recebeu a 7ª travessia comemorativa em homenagem ao aniversário de 10 anos do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). A Travessia da Serra Negra, com 31 Km, reuniu cerca de 20 pessoas. A caminhada foi também um primeiro passo, literalmente, na criação da Trilha Transmantiqueira, projeto de trekking que irá conectar áreas protegidas na Serra da Mantiqueira em uma trilha de longo curso de aproximadamente 750 Km.

Responsável por gerir o parque que é considerado um dos berços do montanhismo brasileiro, o engenheiro agrônomo Gustavo Tomzhinski participou da travessia e dá apoio à iniciativa da Transmantiqueira. Ele trabalha no parque há 12 anos e é gestor há mais de 5, e acredita na importância do uso público. “O uso público é uma ferramenta sensacional. Ajuda a alavancar recurso, apoio e traz a sociedade para defender os parques”, pontua Gustavo. Ainda de acordo com o gestor, o parque mais antigo do Brasil – este ano completou 80 anos – tem como missão ser uma referência positiva para as outras unidades de conservação. Para isso, segundo Gustavo, é preciso resolver problemas como a regularização fundiária, que ainda corresponde a apenas 52% da área total do parque.

Leia a entrevista que o WikiParques fez com o gestor:

WikiParques: Este ano o parque completou 80 anos, como foram as comemorações?

Gustavo Tomzhinski: Essa data simbólica dos 80 anos, por ser o primeiro parque nacional do Brasil, é simbólico não apenas para nós, mas para o Sistema de Unidades de Conservação como um todo. E esse aniversário foi muito interessante porque nós possuíamos uma série de projetos que estavam meio parados e que acabaram deslanchando para comemoração dos 80 anos. Nós conseguimos reformar o Centro de Visitantes; refazer a exposição interpretativa; e o DNIT (Departamento Nacional de Infraestrutura do ICMBio) conseguiu começar a obra da estrada da parte baixa do parque, o que terá um enorme impacto positivo para visitação. Além disso, fizemos um evento de comemoração todo financiado pela iniciativa privada, através de parcerias, que deu uma visibilidade muito grande ao parque. Isso traz gente, traz apoio e acaba alavancando outras coisas. Nós vemos o retorno positivo do visitante quando ele chega e vê o Centro de Visitantes reformado e a nova exposição. As pessoas falam com orgulho.

O parque é uma das unidades de conservação federais que passarão a receber o apoio financeiro da Fundação SOS Mata Atlântica através de uma parceria como o ICMBio. O que isso significa para o parque?

Na sexta-feira (27/10), nós assinamos com a Fundação SOS Mata Atlântica, que tem sido uma parceira e, inclusive, nos apoiou bastante no evento dos 80 anos. Esse acordo de cooperação com a ONG dará aos gestores das unidades uma ferramenta importante para solucionar pequenos problemas que às vezes o serviço público é emperrado para resolver. Como manutenção de estruturas e coisas menores, porque às vezes você precisa comprar uma peça, uma ferramenta ou consertar um equipamento. Esse acordo foi firmado por três anos e pode ser renovado. Através deste apoio, os gestores das unidades beneficiadas irão receber um cartão com o valor aproximado de 2 mil reais por mês para resolver essas pequenas despesas que farão uma diferença imensa no nosso dia a dia. Há uma quantidade enorme de pequenos problemas que nós conseguiremos lidar de uma forma menos burocrática, como comprar um chuveiro para um alojamento.

Qual sua opinião sobre a iniciativa da Trilha Transmantiqueira, que passará pelo Parque Nacional do Itatiaia?

Nós estamos trabalhando muito no ICMBio, em particular no parque, com a estratégia de criar maneiras sustentáveis das pessoas conhecerem as unidades, amarem e se apropriarem delas. Esse tem sido o foco do ICMBio. E as trilhas de longo curso, que conectam diversas áreas protegidas e trazem as pessoas para terem um contato e uma vivência maior com a natureza, são uma excelente iniciativa nesse sentido. A Trilha Transmantiqueira sempre foi uma ideia legal de ser implementada, mas que não depende só do ICMBio querer, precisa também da vontade e engajamento da sociedade. E o que nós estamos vendo é exatamente uma mobilização da sociedade para fazer. Então eu acredito que a iniciativa dará muito certo.

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Seminário sobre a Trilha Transmantiqueira, realizado no Parque Nacional do Itatiaia. Foto: Duda Menegassi


O Parque Nacional do Itatiaia sempre foi uma referência entre os montanhistas pelo cardápio de trilhas e travessias. Com essa bagagem de uso público, como você enxerga o poder da visitação como ferramenta de conservação?

Nas áreas em que nós estruturamos e abrimos à visitação, nós notamos que, apesar do uso trazer um impacto e dar mais trabalho de gestão, ele diminui outros impactos, como a caça e a depredação. E nós estamos tendo um retorno muito legal do público. A nossa visitação está aumentando cada vez mais e a sociedade está participando cada vez mais. Isso dá visibilidade à unidade e dá respaldo para nós cobrarmos mais estrutura. Nesse sentido inicial que inclusive está sendo a diretriz do ICMBio e do parque, de trazer as pessoas para conhecerem e terem orgulho das suas unidades de conservação, o uso público é uma ferramenta sensacional. Ajuda a alavancar recurso, apoio e traz a sociedade para defender os parques.

Além disso, no caso específico das trilhas, quando elas são utilizadas com frequência pelos visitantes, a própria presença deles ajuda a inibir ilícitos como caça, desmatamento, ou mesmo o motocross – que é proibido nas trilhas do parque. Nós temos uma rede de aproximadamente 120 Km de trilha abertas ao público, não dá para mantermos funcionários nelas o tempo todo, sem falar que algumas estão distantes da sede e são longas. Então o próprio uso público ajuda a coibir essas práticas ilegais.

Quais os principais problemas e conflitos de uso no Parque Nacional do Itatiaia?

Quando você fala de fiscalização, os nossos principais problemas são a caça; a extração de palmito, que ainda existe, apesar de estar diminuindo; e as construções irregulares no entorno, se aproximando do parque. O crescimento urbano em direção à unidade é um dos problemas que precisa ser ordenado. Não há como impedir o crescimento, mas ele precisa ocorrer de forma ordenada e sustentável. O estímulo que nós estamos dando ao uso público também exige uma necessidade maior de ações de manejo. Nós temos alguns dias no ano em que a visitação é muito concentrada, especialmente nos feriados prolongados e nos finais de semana das férias, em que o parque acaba ficando superlotado. E é necessário sempre replanejar as ações de manejo para entender como manter a qualidade da experiência do visitante e a conservação da unidade.

Apesar de ser o parque mais antigo do Brasil, o Itatiaia ainda não completou a regularização fundiária das suas terras. Como a gestão lida com esse desafio da regularização e quais as perspectivas para solucionar esse problema?

A regularização fundiária é uma questão histórica no parque nacional, mas que está caminhando. Em 2009, nós retomamos os processos de regularização e de aquisição das áreas dentro do limite do parque, que estava parado. Atualmente, 52% do território do parque está regularizado. Além das aquisições, existem duas áreas públicas que pertencem ao Estado de Minas Gerais, sobre as quais nós já fizemos uma solicitação junto ao governo estadual mineiro para que elas sejam doadas oficialmente ao parque. E existem também pequenas comunidades em algumas beiradas do parque, de agricultores tradicionais que estão ali há algumas gerações e com os quais nós estamos trabalhando para firmar Termos de Compromisso para que eles possam manter seu modo de vida.

As pessoas às vezes não entendem porquê gastar tanto dinheiro com a regularização fundiária se alguns usos já estão consolidados. Existe um motivo e um princípio, que nem todo mundo enxerga, pelo qual os parques precisam ser de posse e domínio público: eles são criados para serem parques eternamente. Não por 5, 10 ou 20 anos. E você não consegue gerir nem mantê-lo como parque, de forma perene, se ele não for de domínio público e estiver livre de interesses privados que às vezes são destoantes dos interesses do parque enquanto unidade de conservação. Hoje, nós conservamos o parque, mas já houve ciclos de construção e de loteamento aqui dentro. Para que essa área se perenize para as futuras gerações é importante que ela seja de posse e domínio público, sempre gerida de acordo com os objetivos do parque. É uma visão muito mais de longo prazo do que a curto e médio. E precisa ser feito. Quanto mais o governo demora a fazer, mais complicado fica. Se você não resolve a questão fundiária do primeiro parque nacional do Brasil e isso vira uma bandeira positiva, isso terá um reflexo negativo nas outras unidades. É por isso que há alguns anos o ICMBio adotou estrategicamente essa postura de solucionar a regularização e vem cumprindo. Não dá para resolver um passivo de 80 anos em 8 meses, mas está andando de uma forma contínua e isso que é importante. Às vezes os passos são menores do que os que a gente gostaria, mas nós continuamos seguindo em frente e isso é fundamental.

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Uma das propriedades ainda não regularizadas dentro do parque, mas que hoje funciona como pousada e ponto de apoio aos turistas. Foto: Duda Menegassi


Como é a relação do parque com os municípios do entorno?

O parque abrange quatro municípios: dois em Minas Gerais, Itamonte e Bocaina de Minas, e dois no Rio de Janeiro, Itatiaia e Resende. Isso é um desafio, porque nós precisamos manter um diálogo com quatro prefeituras e dois governos estaduais, além de toda sociedade. Felizmente nós temos conseguido manter um bom diálogo.

Quais as perspectivas e objetivos para os próximos 80 anos do parque?

Um objetivo de longo prazo, para os próximos 10 anos, eu diria, é alcançar a meta de pelo menos 90% da área do parque regularizada e consolidada. Outro desafio é o de concessionar serviços que faltam ao parque e dar uso a essas estruturas que estão sendo adquiridas, de acordo com os previstos em lei para o parque. Na maioria das vezes são serviços como alimentação, hospedagem, loja de souvenir e transporte único, que faltam para conseguirmos manejar o aumento de visitação. O poder público não tem vocação para fazer isso, é com concessão. Então, no curto prazo, esse é um dos desafios que está na mesa e está em andamento. Precisamos fazer os estudos e concessionar os serviços que irão permitir que a gente atenda melhor ao público e faça um manejo melhor da visitação. Além da reforma de algumas estruturas. Este é o primeiro parque nacional do Brasil e ele foi feito em uma época na qual investiram em grandes estruturas, que permitem dar suporte para diversas atividades, inclusive a recepção de pesquisadores. Este é o parque do Brasil que mais recebe pesquisadores. Nos últimos dois anos Itatiaia foi o primeiro no ranking do ICMBio, além de historicamente ter o maior número de pesquisas aprovadas. Toda manutenção dessa estrutura e reforma das estruturas mais antigas também estão na pauta. Outro objetivo essencial é fortalecer as parcerias e aumentar a participação da sociedade através do nosso conselho e das câmara técnicas.

Uma das vocações e obrigações do Itatiaia é ser uma referência positiva para o resto do sistema. Nós buscamos isso. Meus antecessores buscavam e eu busco com a equipe atual. Nós estamos entre Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais, essa localização faz com que, além da nossa importância histórica, nós tenhamos uma importância estratégica. Tudo que acontece aqui, de bom ou de ruim, repercute no resto do sistema e a nossa meta é ser sempre uma referência positiva. O verdadeiro ponto forte do parque é a capacidade que ele tem, assim como outros parques, de cativar as pessoas e a sociedade. As pessoas frequentam e gostam do parque, cobram de nós, servidores, e do ICMBio, e defendem o parque. Esse é o maior tesouro deste e de todos os outros parques: a capacidade de cativar as pessoas.

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A paisagem do Parque Nacional do Itatiaia. Foto: Duda Menegassi

 

 

 

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